Em meio a guerra, Parlamento em Kiev proíbe obras de artistas e autores da Rússia. Professor diz que cultura russa ocupava espaço desproporcional na Ucrânia e vê na proibição abertura para a literatura de outros países.Tocar ou transmitir música russa em locais públicos, bem como trazer livros em grande quantidade da Rússia e de Belarus passou a ser proibido por lei na Ucrânia. A proibição aprovada pelo Parlamento de Kiev abrange “produtos de artistas e autores que foram ou são cidadãos da nação agressora”. Da mesma forma, artistas que se enquadram nessa lei também estão proibidos de atuar na Ucrânia.

O apresentador e produtor de televisão Ihor Kondratjuk coletou mais de 25 mil assinaturas, já antes da invasão do país pela Rússia em 24 de fevereiro, para uma petição sobre a proibição de shows de artistas russos na Ucrânia. Para ele, essa nova lei é um passo lógico para proteger seu país.

“Isso faz parte da defesa da Ucrânia, da mesma forma como nossos combatentes lutam contra o agressor. Os artistas russos não devem ser bem-vindos na Ucrânia até que as relações com a Rússia voltem a ser amigáveis”, disse Kondratjuk à DW. Nas plataformas de streaming e no YouTube, aumentou o interesse em conteúdo em idioma ucraniano, aponta.

Desde que a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, e a guerra começou no Donbass, o Exército russo teria usado os artistas como uma espécie de fronte, diz o apresentador.

A nova proibição, no entanto, prevê exceções: artistas da Rússia que condenam a agressão contra a Ucrânia não são afetados. Mas quem se encaixa nesse critério é decidido pela Ucrânia.

Livros da Rússia e de Belarus estão banidos

Outra lei aprovada pelo Parlamento ucraniano proíbe a importação e venda de produtos editoriais de Rússia, Belarus e territórios ocupados da Ucrânia. Por um lado, isso envolve livros que foram escritos nessas áreas, mas também obras de autores que são cidadãos russos. As exceções são livros publicados antes da ocupação.

No entanto, literatura em russo publicada em outros países ainda pode ser importada para a Ucrânia, desde que tenha sido obtida permissão para isso. De acordo com a lei, um conselho de especialistas deve primeiro examinar se ela contém propaganda contra a Ucrânia.

Além disso, livros de autores que tinham ou têm passaporte russo não podem mais ser impressos na Ucrânia. “É claro que isso também é uma reação à guerra. Tanto os 'bons' quanto os 'maus' não são mais admitidos no mercado de livros ucraniano”, diz Oleksandr Krasovyzky, proprietário e diretor da editora Folio, que colaborou na elaboração da lei.

A proibição de impressão, no entanto, não se aplica a livros em russo que serão publicados na Ucrânia até 1º de janeiro de 2023.

Como implementar a proibição?

De acordo com Krasowyzky, a proibição visa principalmente autores com passaporte russo. Segundo ele, um conselho consultivo vai analisar cada caso individualmente. Obras, por exemplo, de Alexander Pushkin ou Liev Tolstói, que agora são impressas na Rússia, não podem mais ser importadas para a Ucrânia de acordo com a lei. No entanto, se seus trabalhos forem publicados em outro país, eles poderão ser levados para a Ucrânia.

Para alguns, ficará complicado: por exemplo, livros impressos na Rússia por Boris Akunin, escritor e tradutor com ascendência georgiana e que não vive mais na Rússia, mas ainda é cidadão russo, não podem mais ser importados para a Ucrânia. Seus livros só podem ser vendidos legalmente na Ucrânia se forem publicados em outro país e forem verificados quanto à retórica antiucraniana e aprovados pelo conselho de especialistas antes da importação.

Há também exceções para pessoas físicas. Se alguém tiver na bagagem menos de dez exemplares de um livro que não está na lista de literatura antiucraniana e não tiver intenção de vendê-los, ele poderá ser importado.

Como esperado, Moscou reagiu às leis: ancorar a língua ucraniana na vida cotidiana é uma opressão ao grande número de ucranianos de língua russa, segundo o Kremlin.

Currículo escolar sem clássicos russos?

O próximo passo poderia ser a exclusão da literatura russa do currículo escolar. Um grupo de trabalho do Ministério da Educação já recomendou a remoção das obras de cerca de 40 escritores e poetas russos e soviéticos, incluindo Liev Tolstói, Alexander Pushkin, Fiódor Dostoiévski e Mikhail Bulgakov. No entanto, as autoridades ainda não tomaram uma decisão final.

O escritor Rostyslaw Semkiv é a favor da proibição completa da literatura russa no currículo escolar. “No momento, não vejo como aproximar a beleza da poesia russa das crianças em idade escolar. Nas salas de aula, há crianças cujas casas foram destruídas, que tiveram que fugir, foram atacadas ou perderam parentes”, disse Zemkiv na televisão ucraniana.

Ele lembra que a literatura alemã só reapareceu no currículo das escolas soviéticas em 1960, 15 anos após a vitória sobre o nazismo. Fausto, de Goethe, foi a primeira obra a reaparecer.

Andriy Hirnyk, professor de psicologia e educação da Academia Mohyla da Universidade de Kiev, diz que a literatura e a cultura russas ocupavam um espaço desproporcional na Ucrânia antes do ataque russo. Agora, segundo ele, as literaturas inglesa, alemã, francesa, chinesa e ucraniana simplesmente receberão maior importância.