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Quem percorre as ruas simples das vilas Santa Inês e Nossa Senhora Aparecida, na Zona Leste da capital paulista, tem dificuldade de encontrar qualquer papelzinho no chão. A limpeza impecável, raridade até mesmo em áreas nobres da cidade, é mérito de cada um e de todos os moradores da região. Esse caso exemplar da coletividade que resolveu o problema coletivo do lixo partiu da iniciativa de Ionilton Aragão, assim que se tornou líder comunitário, há cerca de cinco anos. Sem apontar o dedo para culpados, ele chamou os vizinhos para cuidar do espaço comum, independentemente de seus níveis social, de renda, idade, crenças, time de futebol preferido e estilo de vida.

Foram meses de conversa para conscientizar os moradores sobre os problemas de saúde que o descarte incorreto de lixo provoca. A comunidade abraçou a causa, batizada de Projeto Varre Vila, e viu que podia fazer dali um lugar melhor para viver. Aragão também estreitou as relações com a Soma, consórcio de limpeza pública que cuida da região. Conseguiu dela apoio na forma de recursos financeiros e logística, como a instalação de centenas de lixeiras, contratação de varredores e coletores exclusivos da comunidade para atuar lá e a definição de datas, locais e horários para a coleta de lixo e entulho.

O cineasta italiano Daniele Ottobre, organizador do festival internacional de filmes socioambientais EcoVision, foi apresentado ao Projeto Varre Vila por Wilson Quintella Filho, dono da Estre, empresa que integra a Soma e movimenta bilhões de reais por ano com gestão de resíduos. “Ele me contou a história da comunidade e fez questão de me levar lá”, lembra. Mas, dessa vez, o documentarista preferiu trabalhar com um formato diferente de registro para fazer conhecer o trabalho de limpeza das ruas e da alma desses moradores.

Ottobre montou uma equipe mista de fotógrafos e designer gráfico brasileiros e italianos para, ao longo do mês de novembro de 2015, retratar como a retirada do lixo abriu lugar para a dignidade e a autoestima desses vizinhos. A fotojornalista Marlene Bergamo circulou pela vila, “fazendo a social” (na descrição bem-humorada de Ottobre) e obtendo imagens espontâneas do cotidiano dos moradores e da sua relação de cuidado com o espaço comum. Já Paulo Vitale, retratista, armou um estúdio móvel nas ruas e trabalhou com sua especialidade, aproveitando os grafites como pano de fundo.

Para explorar esse elemento que atualmente decora espaços antes tomados por lixo e entulho, Ottobre convidou a italiana Anna La Stella, que há 30 anos fotografa grafites ao redor do mundo e funde essas obras entre si e com imagens de pessoas por meio de fotomontagens. “Os grafites são uma boa escolha para valorizar os muros simples das favelas e uma resposta artística à arquitetura do lugar. São renovados constantemente por pessoas da comunidade e convidados”, ressalta Ottobre.

Em dezembro, nasceu dessa força-tarefa o livro Se Essa Vila Fosse Minha, que em março virou também uma exposição na Galeria Olido, no Centro de São Paulo – aberta ao público até 22 de maio. Com o dinheiro arrecadado com a venda de algumas dessas imagens, a emblemática rotatória da vila Santa Inês, que vivia na imundice, hoje está recoberta por um mosaico homenageando o Varre Vila. E as redondezas ganharam bancos desenhados pelo arquiteto italiano Marco Casamonti, para estimular o contato social. “Se não se depositar confiança nas pes­soas, as pessoas não mudam, acham que estão abandonadas”, afirma Ottobre.


Imagens e exemplares do livro Se Essa Vila Fosse Minha podem ser adquiridos via Projeto Varre Vila: fone (11) 2545-4550