Para os autores de ficção, desde Jorge Luis Borges e seu conto clássico “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam” até episódios da telecinessérie Jornada nas Estrelas ou o recente filme A Bússola Dourada, o tema dos universos paralelos exerce um eterno fascínio. Afinal, quem resiste à ideia de que, num outro plano, pode existir um outro eu vivendo uma vida diferente desta aqui? O que muita gente não sabe é que a hipótese não se restringe à ficção: a ciência anda namorando-a há um bom tempo e leva-a cada vez mais a sério.

Como não poderia deixar de ser, a área científica que aloja essa ideia é a física quântica – aquela que estuda as leis do mundo subatômico, as quais reduzem tudo a probabilidades e cujas esquisitices incomodaram ninguém menos do que Albert Einstein. Os mundos paralelos emergiram na academia como solução a uma das charadas quânticas mais conhecidas: a do gato de Schrödinger.

Nesse desafio, criado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935, um gato é colocado numa caixa selada com um contador Geiger, um frasco de veneno e um átomo radiativo que tem 50% de chance de desintegrar dentro de uma hora. Se o átomo se desintegra, o contador Geiger percebe e aciona um mecanismo que quebra o frasco de veneno, levando o gato à morte. De acordo com a teoria quântica, ao final daquela hora o átomo deve se encontrar num estado superposto de desintegração e de não desintegração. Ou seja: o gato está ao mesmo tempo num estado insólito, tanto de vivo quanto de morto.

Schrödinger propôs seu enigma como uma forma de sublinhar como a teoria quântica pode desafiar o senso comum. De fato, como alguém pode estar vivo e morto ao mesmo tempo? Os cientistas puseram suas mentes para trabalhar no assunto e, de início, pensou-se que a solução era forçar o mundo quântico a decidir-se por uma das soluções, abrindo a caixa e observando seu conteúdo. Essa solução é conhecida como interpretação de Copenhague – a opção considerada pelo físico dinamarquês Niels Bohr que destaca o papel do observador do fenômeno. Detalhe frágil dela: os pesquisadores teriam de monitorar o tal gato por uma hora.

Em 1957, o norte-americano Hugh Everett III, então aluno da Universidade de Princeton, propôs uma nova perspectiva para o enigma. Segundo ele, a matemática da teoria quântica realmente descreve a realidade e, se suas equações desembocam em resultados diferentes, todos eles podem ser concretizados em algum lugar. A pergunta óbvia, nesse caso, era: onde?

Como a ideia parecia maluca demais e Everett não continuou a pesquisar nessa área (ainda antes de seu ensaio ser publicado, ele aceitou um convite para trabalhar na indústria de armamentos), o tema caiu rapidamente no esquecimento. Em 1970, porém, outro norteamericano, Bryce DeWitt, da Universidade do Texas, reviu o trabalho de Everett e concluiu que todos esses resultados só poderiam ocorrer em universos paralelos. De acordo com DeWitt, tais universos coincidiriam com o nosso em termos espaciais, mas estariam isolados, e em consequência teriam uma interação muito pequena com nosso universo. A hipótese ganhou o rótulo de “interpretação de muitos mundos”: cada resultado possível corresponde ao surgimento de um novo universo. No caso do gato, em um universo ele esbanja saúde, mas em outro está definitivamente morto.

A revisão de DeWitt passou a ser considerada mais palatável para os físicos quando estes começaram a aceitar que, para elaborar a teoria unificadora de todas as leis da natureza – aquela que reunirá a relatividade de Einstein à quântica -, seria preciso haver outras dimensões além das três comuns. Mesmo assim, a ideia de universos paralelos na ciência ainda demoraria mais algumas décadas para deslanchar.

Num universo, o gato da charada de schrödinger esbanja saúde; em outro, está morto

Onze dimensões para explicar tudo

O avanço nos instrumentos usados para pesquisar o reino quântico começou a possibilitar investigações cada vez mais acuradas dessa área, e nos anos 1990 uma descoberta mexeu com a interpretação de Copenhague: segundo a pesquisa, não é propriamente o observador que “decide” qual estado vai prevalecer entre os vários possíveis, mas as interações com o ambiente do sistema observado (denominadas descoerência). A novidade complicou ainda mais a já difícil busca de uma evidência experimental para a teoria de muitos mundos de Everett.

Em 1995, um estudioso da teoria unificadora, o norte-americano Edward Witten, da Universidade de Princeton, propôs que todos os eventos observados poderiam ser explicados em um grande cenário com 11 dimensões – o chamado multiverso. As elaborações de Witten ficaram conhecidas como “Teoria-M”. Como as dimensões do multiverso seriam diferentes dos mundos paralelos de Everett, parecia que o assunto chegara novamente a um beco sem saída.

Três anos depois, porém, o físico suecoamericano Max Tegmark, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), deu uma nova contribuição ao estudo dos mundos paralelos ao voltar à experiência do gato de Schrödinger e colocar-se no lugar do animal para refletir sobre o que ele conseguiria ver na caixa. A conclusão de Tegmark foi intrigante: segundo a interpretação de muitos mundos, em diversas versões ele morreria, mas sempre haveria universos nos quais viveria, e em alguns deles ele até seria imortal.

Cinco anos depois, Tegmark avançou mais um pouco nessa hipótese e elaborou uma classificação em quatro partes para os universos paralelos. De acordo com ele, os de tipo I estão além da vista de nosso universo, mas possuem as mesmas propriedades cosmológicas. Os de tipo II, nascidos logo depois do Big Bang (a grande explosão cósmica que seria a origem de tudo), também estão além da vista do nosso universo, mas suas propriedades cosmológicas podem ser um tanto diferentes.

O tipo III abrange os universos associados à interpretação de muitos mundos. Os universos de tipo IV, por sua vez, podem ter leis da física bem diferentes das que conhecemos.

Hoje em dia, os físicos encaram de formas distintas a noção de universos paralelos. Para alguns, a resposta a essa charada está em alguma variação da interpretação de Copenhague. Outros consideram que a chave está mesmo na interpretação de muitos mundos. Mas o dilema talvez não dure muito tempo, graças a dois fatores: o progresso das experiências, que captam dados cada vez mais sensíveis sobre o reino subatômico, e aplicações tecnológicas dessa área da física, como os chamados computadores quânticos (computadores muitíssimo mais potentes que os atuais, pois conseguiriam trabalhar em outros estados além de ligado ou desligado). Avançar nesses terrenos provavelmente levará os físicos a decifrar o enigma dos mundos paralelos e da própria física quântica.

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A teoria quântica

Os átomos e a forma como eles interagem com a luz foram a base da mais surpreendente das teorias da física. Ao estudar a emissão de calor e luz de um objeto quente, o físico alemão Max Planck propôs que a luz é liberada em “pacotes”, denominados fótons. Em outras situações, porém, a luz se comporta como uma onda, sem “pacotes”. Como definir a luz, então: ela é onda ou partícula? Segundo a teoria quântica, a definição correta é: onda e partícula. Portanto, coisas que normalmente vemos como partículas ou objetos sólidos – o pão consumido de manhã ou o veículo que leva você ao trabalho, por exemplo – também possuem um comportamento de onda em sua natureza. Pela teoria quântica, qualquer coisa pode ser descrita como onda.

Universos em colisão O que veio antes do Big Bang, a explosão que teria dado início ao nosso universo? Em 2001, dois físicos, o sul-africano Neil Turok, da Universidade de Cambridge (Grã-Bretanha), e o norte-americano Paul Steinhardt, da Universidade de Princeton (Estados Unidos), deram uma resposta ousada a essa pergunta: segundo eles, o Big Bang foi o resultado de um choque de dois universos paralelos. Cada universo poderia ser comparado a uma membrana achatada e infinita flutuando em um espaço multidimensional; ocasionalmente, a gravidade atrai uma membrana vizinha e os dois universos se deslocam velozmente até colidir, liberando uma imensa quantidade de energia que originou o nosso universo. Além de criar o cosmos, o Big Bang impulsionaria os dois universos que colidiram rumo a direções opostas do hiperespaço.

A teoria, que recebeu o nome de “universo ecpirótico” (do grego ekpyrosis, “incêndio desastroso”), explica de forma satisfatória o padrão de irregularidades observado pelos astrônomos na profusão de radiações de micro-ondas encontrada no nosso universo. Antes do universo ecpirótico, os cientistas atribuíam esse padrão a um período de rápida expansão no início da história do universo, chamado “inflação”.