Imagine a seguinte situação: você mora em um bairro humilde, na zona leste de São Paulo, e vive perto da linha da miséria – ou seja, seu salário não é suficiente para alimentar seus filhos. Então, um dia, você vai ao hospital e volta de lá com o seguinte diagnóstico: HIV positivo.

Simone Pina, gerente do projeto “Sementes do Amanhã” da Instituição Beneficente Ação Univida, diz que a primeira reação de alguém nessas condições ao descobrir que tem Aids é pensar que a vida acabou. Elias José Cagnoni, um dos fundadores da Univida, assinala: “O indivíduo descobre que tem a doença e o lado emocional se abala. Aí, a doença se instaura. Isso acarreta problemas no emprego e em outras áreas da vida.”

Em 2009, a Fundação Oswaldo Cruz publicou o estudo “Percepção da qualidade de vida e do desempenho do sistema de saúde entre pacientes em terapia antirretroviral no Brasil”, do qual participaram 1.260 pessoas em tratamento contra a Aids. A pesquisa revelou que os soropositivos sofrem mais com problemas relacionados à interação social do que com a ação da doença. Dentre as perdas sofridas após o diagnóstico estão: piora na condição financeira e na aparência física, discriminação social, perda do emprego, falta de suporte familiar e discriminação pelos amigos.

Grande parte das famílias com soropositivos fica desestruturada, porque nem sempre a doença é aceita pelos parentes do portador. Foi exatamente para dar suporte aos soropositivos que surgiu a Univida. “Nossa ideia é ser aquele ombro amigo do portador do HIV”, define Cagnoni. Nesse ponto, a instituição tem um papel diferenciado na vida dessas pessoas, pois grande parte delas é encaminhada por hospitais, como o Emílio Ribas, ou o Centro de Referência e Tratamento de Aids.

Em vez de fornecer ajuda ininterruptamente, a Univida dá auxílio emergencial, como cesta básica nos primeiros 90 dias, para que a pessoa possa se reerguer. “O valor da cesta é socorrer naquele momento. Depois disso, a gente acompanha qual é o interesse da pessoa em melhorar – verificamos se ela está fazendo o tratamento – e qual é sua alternativa para obter seu sustento.” Cagnoni destaca que a instituição zela por não estabelecer um laço de dependência com as famílias. O objetivo é ajudar na sua reestruturação

A sede da Univida opera ainda como uma creche, com atividades destinadas a crianças e jovens de 2 a 16 anos de idade, provenientes de famílias com casos de Aids. O objetivo é cuidar das crianças enquanto os adultos fazem o tratamento ou trabalham. “Além disso, uns 30% das nossas crianças não têm pais, devido à doença. Mesmo assim, elas têm um parente que fica responsável. E muitas vezes ele também tem filhos e não esperava pela adoção da criança, que nem sempre é bem-vinda. Então, a gente a ajuda a ter um espaço, e damos material pedagógico e assistência”, afirma ele.

Vale ressaltar que, para o jovem em idade escolar frequentar a Univida, ele deve estar matriculado em alguma instituição de ensino. Como muitas das crianças moram longe do local, principalmente por conta do preconceito da sociedade em relação à família portadora de HIV, a instituição possui um transporte próprio para a locomoção dos pequenos.

As crianças também são incentivadas a prosperar. “Quando você entra em contato com as crianças, a história de vida delas faz seu coração doer. Você se emociona e tende a querer dar tudo a elas. Agora, a gente tenta incentivá-las a conquistar seus objetivos”, diz Simone.

Elias conta que há casos em que dá vontade de adotar a criança a fim de ajudá-la a superar o sofrimento. No entanto, ele reflete: “Penso que toda criança tem um pai, uma mãe, um tio, uma tia. Nosso trabalho deve ser o de completar aquilo que falta a ela e mantê-la no seu lar. Seja esse lar o mais simples que for, é sempre bom voltar para casa. Tem criança aqui que mora num barraco. Mas o fato é que o lar é dela.”

Parte dessa observação se deve ao fato de que a Univida ainda não fornece assistência integral a adolescentes. Segundo Cagnoni, a casa pretende montar atividades para eles ainda este ano. Simone afirma que já existem alguns cursos de capacitação para os mais velhos. Em 2009, por exemplo, a instituição ofereceu aulas de informática em parceria com a empresa Data Byte.

A Univida nasceu da iniciativa de um grupo de amigos que ajudava cinco famílias carentes. Cagnoni conta que, no início, a ideia não era criar uma associação de caridade ou uma organização não governamental. Mas o auxílio prestado pelo grupo não parava de crescer. “Chegamos a ponto de atender dez crianças, dando reforço escolar. Depois, atendemos mais dez, porque apareceu um professor de capoeira.”

Das cinco famílias que eram beneficiadas com a ajuda do grupo, uma possuía portadores de HIV. Nasceu então a ideia de uma casa de apoio a soropositivos. “Não tinha nada voltado para pacientes com Aids na região. Por isso, a gente tem um trabalho diferenciado na zona leste.”

Segundo Elias Cagnoni, um dos fundadores da Univida, a capoeira é a atividade favorita das crianças que frequentam a sede.

Hoje, o trabalho cresce mais. Em parceria com a subprefeitura do Itaim Paulista, a Univida é responsável também pelo projeto Centro para Crianças e Adolescentes, localizado em frente à sede, onde são realizadas atividades com jovens carentes da comunidade. Outro projeto é o Núcleo de Convivência para Idosos, que visa à melhoria da qualidade de vida da população da terceira idade. A Univida também trabalha com excursões para crianças e idosos, como viagens à praia .

Simone observa que o carinho pelas crianças faz os membros da Univida não desistirem do trabalho. Um exemplo é ela mesma, que tem oito anos de casa, apesar de morar longe do local, na região da Barra Funda. “Aqui, você trabalha como funcionário e também como voluntário. Você dá muito. Por exemplo, no dia do passeio na praia, todos que monitoraram foram voluntários.”

Para se sustentar, a Univida conta com doações e parcerias com outras instituições, como o Mesa Brasil, do Sesc. Mas Cagnoni não esconde que uma das principais dificuldades é a financeira. Isso porque a sede ainda é alugada e há gastos mensais com cestas básicas, medicamentos, profissionais da educação e da saúde e transporte.