O acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame, afeta anualmente milhares de pessoas no Brasil. O problema pode deixar sequelas graves, como a limitação ou perda dos movimentos das pernas, impossibilitando o indivíduo de caminhar. A reabilitação pós-AVC é fundamental para a recuperação do paciente.

A fim de contribuir nesse processo, pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP desenvolveram um exoesqueleto robótico capaz de auxiliar profissionais da área da saúde no tratamento de vítimas de AVC. Com base na força que o paciente faz durante um exercício, o equipamento identifica com precisão em qual parte do membro inferior ele apresenta mais dificuldades, atuando de forma automática na região afetada para ajudá-lo a completar o movimento.

“Um dos diferenciais do nosso exoesqueleto em relação aos disponíveis no mercado é que ele pode ser configurado para tratar uma ou mais articulações da perna do paciente ao mesmo tempo, como o tornozelo, joelho e quadril. Com essa possibilidade, nós conseguimos proporcionar ao usuário uma recuperação muito mais rápida e eficiente”, explica Adriano Almeida Gonçalves Siqueira, coordenador do trabalho e professor do Departamento de Engenharia Mecânica (SEM) da EESC. Nomeado Exoesqueleto Modular de Membros Inferiores, o aparelho já possui uma patente registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

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Controle por algoritmos

Outro destaque do equipamento é que ele pode ser controlado por algoritmos (códigos de computador), desenvolvidos para mensurar a força realizada pelas pernas do usuário e definir como o exoesqueleto deve agir nas regiões enfraquecidas. Isso auxilia o paciente a completar uma tarefa específica, como caminhar, subir e descer escadas, sentar e levantar.

“Uma das possíveis sequelas de quem sofre AVC é ficar com o pé caído. Nessa situação, a pessoa o arrasta no chão quando tenta andar. Com os nossos algoritmos atuando em conjunto com o exoesqueleto, conseguimos identificar a gravidade dessa deficiência e ajudar o indivíduo a melhorar sua passada por meio de estímulos que são gerados nas juntas do equipamento”, afirma Felix Maurício Escalante Ortega, criador dos códigos e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC, onde é orientado pelo professor Marco Henrique Terra, com co-orientação do professor Adriano Siqueira.

Construído durante a pesquisa de doutorado do ex-aluno da EESC Wilian Miranda dos Santos, atualmente professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São João da Boa Vista, o aparelho pesa aproximadamente 11 quilos (kg). Ele é composto, basicamente, de um cinto pélvico para fixação ao tronco do paciente, juntas posicionadas nas principais articulações das pernas, sensores de força que monitoram a interação entre o robô e o paciente, pequenos motores para impulsionar os movimentos do equipamento, cintas de velcro e um par de sapatos personalizados preso ao exoesqueleto.

Solução sob medida

Para testar a tecnologia e avaliar a influência do equipamento em atividades que demandam esforço muscular, a equipe realizou diversos experimentos em uma esteira, em que um sujeito saudável interagiu com o exoesqueleto.

Os resultados mostraram que o sistema garantiu a estabilidade e segurança do contato entre o ser humano e o robô e registrou alto desempenho na transmissão dos dados referentes à força exercida pelo usuário. Além disso, ajustou adequadamente o nível de assistência necessária do aparelho de acordo com a necessidade do voluntário.

Diante da atuação do sistema, os cientistas concluíram que os algoritmos desenvolvidos ofereceram uma solução sob medida e promissora para fins de reabilitação, estimulando corretamente diferentes comportamentos no indivíduo.

Sistema robótico auxiliará pacientes a realizar movimentos na reabilitação pós-AVC. Crédito: Henrique Fontes
A doença

O acidente vascular cerebral ocorre quando os vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, bloqueando a circulação sanguínea. Quanto mais rapidamente o diagnóstico e o tratamento forem feitos, maiores serão as chances de recuperação.

Os principais sintomas do AVC são fraqueza ou formigamento no rosto, braço ou perna, confusão mental, alterações na fala, visão e equilíbrio e dor de cabeça súbita e intensa.

Segundo o Ministério da Saúde, o derrame está em segundo lugar entre as principais causas de morte no Brasil. Fica atrás apenas dos óbitos por problemas cardíacos isquêmicos. Em 2018, foram registrados 197 mil atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência da doença, que pode ser tratada de forma gratuita.

De acordo com os pesquisadores da EESC, o número de casos de AVC deve aumentar nos próximos anos em função do envelhecimento da população mundial, pois sua incidência é maior entre os idosos. Isso evidencia a importância da criação de novas técnicas de reabilitação.

Chegada ao mercado

Os especialistas contam que os próximos passos do trabalho desenvolvido na USP envolvem a realização de testes com pacientes que sofreram AVC. A expectativa dos cientistas é de que a nova tecnologia, criada no Laboratório de Reabilitação Robótica do SEM, possa estar no mercado em até cinco anos.

As pesquisas foram financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os resultados obtidos nos estudos geraram cinco artigos científicos que foram divulgados em revistas e em um evento acadêmico internacional. Confira a lista de todos os trabalhos produzidos e o vídeo demonstrativo do protótipo desenvolvido na USP: Optimal impedance via model predictive control for robot-aided rehabilitation; Design and Control of a Transparent Lower Limb Exoskeleton; Robust Kalman Filter and Robust Regulator For Discrete-time Markovian Jump Linear Systems: Control of Series Elastic Actuators; Impedance Control for Robotic Rehabilitation: A Robust Markovian Approach; e Robust Markovian Impedance Control applied to a Modular Knee-Exoskeleton, apresentado no 21st IFAC World Congress, ocorrido este ano em Berlim, na Alemanha.