A Organização Mundial do Turismo (OMT) calcula que até o fim de 2012, ano em que a população da Terra ultrapassou sete bilhões de habitantes, terão sido realizadas mais de um bilhão de viagens internacionais. Em 1970, quando o planeta somava metade dessa população, foram registradas 169 milhões de chegadas a destinos internacionais. Em termos proporcionais, as viagens internacionais de lá para cá aumentaram 213%. Hoje, o número de passageiros de avião transportados anualmente dentro e fora de seus países chega a 2,8 bilhões, segundo a International Air Transport Association (Iata). Sem contar os deslocamentos em carro, ônibus e trem, ainda mais comuns e democráticos.

Se nos últimos 40 anos as viagens se popularizaram, nas próximas décadas um número maior de pessoas viajará mais e mais longe – sejam europeus, norte-americanos, latino-americanos, brasileiros, chineses, russos ou indianos. O turismo deixou de ser um sonho de consumo restrito à elite. Arrumar as malas para conhecer outras terras e paisagens faz parte da vida de todas as classes, inclusive das C e D. As opções são tantas que é possível até cultuar o insólito: em 2010, a Virgin Galactic iniciou o turismo espacial com a nave SpaceShipTwo, que parte do Aeroporto Espacial do deserto de Mojave, na Califórnia, e oferece cinco minutos de voo com gravidade zero. Detalhe: custa US$ 20 mil por cabeça.

Bem mais barato custa um passeio de navio na temporada brasileira de verão 2012-2013, com paradas na Ilhabela, no litoral norte de São Paulo um dos destinos turísticos mais procurados do país. De novembro a abril, 21 navios farão 131 escalas na ilha, desembarcando 348 mil turistas. O comércio vai faturar R$ 16 milhões, diz a Secretaria Municipal de Turismo – 34% a mais do que na temporada passada. Mas a prefeitura está preocupada com a quantidade de lixo e dejetos lançados no ecossistema da ilha, desprovida de saneamento. Na verdade, considerando-se a quantidade de gente que chegará de carro, cruzando o canal de São Sebastião por balsa, virá um tsunami: 1,1 milhão de pessoas. Mais os que vão de ônibus, a pé ou por barcos.

Evolução rápida

O turismo virou um fenômeno de impacto ambiental. A grande virada aconteceu nos anos 1960 com a entrada em massa da aviação comercial, explica Leonel Rossi Jr., vice-presidente de relações internacionais da Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav) – criada em 1950 com 600 associados e hoje com quatro mil.

Além da aceleração do transporte, as pontas do percurso passaram a se comunicar com facilidade. “Quatro décadas atrás, dependíamos do telex e do telegrama para reservar um hotel”, diz Rossi Jr. Outro salto foi a adoção, na década de 1980, de sistemas GDS (Global Distribution System), como Amadeus, Sabre, Galileo e World Span, que passaram a oferecer centrais mundiais para reserva de passagens, hotéis e aluguel de veículos. Para completar, o ganho de escala com jatos de grande porte (200 passageiros) fez os preços despencar. “Em 1965, uma passagem São Paulo-Nova York custava o equivalente a US$ 4 mil de hoje, muito mais cara”, compara Rossi Jr.

“Nos anos 1970 e 1980, o mercado de turismo no Brasil era voltado para os circuitos europeus, em viagens de 20 a 36 dias de duração, reservadas aos empresários e à alta sociedade”, comenta Guilherme Paulus, que em 1972 fundou a operadora brasileira CVC e até hoje é sócio da empresa. No ano seguinte, Augusta Fortunato fundou outra empresa emblemática do setor, a Tia Augusta, especializada em viagens à Disney.

“Antes levava seis meses para completar um grupo. Só quem tinha muito dinheiro podia ir. Além disso, a frequência dos voos entre Brasil e Estados Unidos era baixa. Hoje a classe C viaja muito. Em 2008, sete milhões de pessoas viajaram pela primeira vez de avião no Brasil, graças à venda de passagens em crediário. Isso é bom pelo lado comercial e pela satisfação de poder levar filhos de feirantes e moradores da periferia até um lugar que antes parecia inalcançável”, diz a famosa “tia”. A empresária destaca que já é comum ver famílias inteiras viajando juntas, assim como idosos se aventurarem mais, sobretudo, em cruzeiros internacionais.

Sustentabilidade

Com tantos aviões e barcos circulando, os benefícios do setor se turvam com os danos colaterais causados ao ambiente. Por um lado, o mercado de viagens e turismo responde por 250 milhões de empregos e uma receita de US$ 6 trilhões (9% do PIB global), segundo o World Travel & Tourism Council (WTTC). Por outro, é responsável por cerca de 5% das emissões de gases de efeito estufa do planeta, segundo a OMT. A isso, é preciso somar os estragos que o turismo acarreta nos lugares em que se desenvolve.

“Santos foi o primeiro destino turístico brasileiro que sofreu uma intensa degradação. Depois foi o Guarujá. De balneários tranquilos, passaram a uma excessiva ocupação urbana, com muito trânsito e violência. Porto Seguro foi totalmente alterada em dez anos. Perdeu biodiversidade, cultura regional e a própria qualidade do turismo oferecido”, resume Sérgio Salvati, biólogo especializado em turismo sustentável. Para ele, o principal problema é a falta de capacidade de gestão das administrações municipais e estaduais para organizar a maré do turismo – o que vem se repetindo no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro.

“O destino badalado ainda é importante para o turista brasileiro. Mas as cidades estão se dando conta de que se não houver um manejo sustentável e os atrativos não forem preservados, a prosperidade trazida pela chegada dos visitantes acaba logo. Se não houver plano diretor nas cidades, a especulação imobiliária pode matar o lugar”, comenta o jornalista Ricardo Freire, autor do blog Viaje na Viagem e “turista profissional”, como gosta de se definir. Freire destaca que viajar bem significa escolher, hierarquizar. “Estar cada dia em uma cidade para poder visitar muitos lugares na mesma viagem só cria stress. O ‘turismo lento’ (slow travel ) é mais sustentável do que o turismo frenético.”

Casa em ordem

No Brasil, só na última década surgiram tentativas para se organizar a indústria do turismo. A visibilidade do país no exterior com a proximidade da Copa do Mundo, em 2014, e da Olimpíada, em 2016, já fez crescer a demanda até mesmo por turismólogos – nova profissão reconhecida em janeiro deste ano.

A primeira mudança efetiva foi a criação do Ministério do Turismo, em 2003, que antes era parte do Ministério do Esporte e do Turismo, o que conferiu à Embratur a divulgação do Brasil como destino turístico no exterior. Desde a sua criação, em 1966, o órgão apenas fomentava a atividade turística dentro do país.

A última iniciativa de peso, entretanto, aconteceu em dezembro de 2010, com a entrada em vigor da Lei Geral do Turismo. Ela prevê o cadastro nacional de todas as empresas que atuam com turismo; o registro eletrônico de hóspedes, que trará informações em tempo real do setor hoteleiro; a classificação dos hotéis em estrelas, que contou com o apoio do Inmetro; e uma área de fiscalização (ainda não montada), com competência para aplicar penalidades ao descumprimento das normas.

A nova legislação peca por não exigir maior responsabilidade da indústria, na visão de Salvati. “Sem oferecer incentivos para as empresas que adotarem boas práticas de sustentabilidade – como certificações –, a mudança vai ser muito lenta. Assim, fica aberta uma brecha grande para a destruição do patrimônio brasileiro e biodiversidade, que são as grandes motivações
do turismo no Brasil.”

Papel de cada um

Dentro e fora do país, a internet turbina o mercado, não havendo epidemias globais – como gripe aviária (Sars) e suína (H1N1) – ou ondas de terrorismo que desmotivem os viajantes por muito tempo. Além disso, graças à rede mundial o turista ganhou maior poder sobre suas escolhas, tem mais acesso à informação, liberdade de ação e não depende mais dos formatos empacotados pelas operadoras.

O canal direto com o destino facilitou os aluguéis de casas, quartos ou até sofás em qualquer lugar do mundo (coachsurfing), permitindo que uma parte maior do dinheiro gasto na viagem fique para a população local e a integração com a realidade seja mais intensa que a dos turistas levados para onde a indústria deseja.

Algumas agências, sejam físicas ou virtuais, também têm contribuído nesse sentido, ao se especializar em turismo social (o volunturismo, turismo com voluntariado social) e ecoturismo (turismo de natureza e de aventura), um mercado promissor sobretudo em países da América Latina. Segundo projeções da OMT, o ecoturismo já é a opção de 5% do total de viajantes, com perspectivas de um crescimento acima da média do mercado turístico convencional (cerca de 20% por ano).

Essa modalidade vem em ascensão desde 2002, que a ONU declarou o Ano Internacional do Ecoturismo, fazendo o mercado parar para pensar sobre sua forma de atuação no ramo. Depois de muitas reuniões que colocaram na mesma mesa ministérios do meio ambiente e do turismo de 132 países, foi assinada a Declaração de Quebec, definindo diretrizes para desenvolver a atividade de forma sustentável.

O guru do turismo responsável, o britânico Harold Goodwin, professor da Metropolitan University, de Leeds, acredita que cada um deve chamar para si a responsabilidade de fazer o turismo mais sustentável. “Os impactos de quem vai em excursão ou de forma individual são os mesmos. Tudo depende de decisões tomadas pelos indivíduos. Não só como turista, mas também como funcionários do governo e das companhias atuantes nesse mercado.”

Goodwin destaca atitudes que fazem a diferença nessas três frentes. Primeiro, os turistas precisam pensar no jeito que viajam e no impacto que causam no ambiente (que transporte escolher, onde gastar dinheiro e como beneficiar a comunidade local). Segundo, o governo deve organizar o turismo, determinando onde os hotéis podem ou não se instalar, protegendo as praias, os parques nacionais e as atracões culturais. E terceiro, mas não menos importante, as empresas precisam gerenciar seus negócios para reduzir a degradação que causam no ambiente.

Em vez de mero consumidor da paisagem e de culturas locais, o turista é um agente sociocultural que modifica o lugar visitado e volta modificado pelo que viu e viveu.