Por muitas décadas os brasileiros se divertiram com uma senhorinha simpática e de bom coração, conhecida por acreditar em tudo e todos, inclusive no governo. A carismática Velhinha de Taubaté – nunca se soube seu nome, só que morava nessa cidade do interior de São Paulo – foi criada por Luis Fernando Veríssimo no início dos anos 1980, época em que o general João Baptista Figueiredo dirigia o País. A credulidade da personagem em informações e pessoas que despertariam a desconfiança em qualquer um, entretanto, não é tão fictícia como se imaginava. É uma consequência natural do avanço da idade.

Estudos neurológicos recentes da Universidade da Califórnia, de Los Angeles, encontraram evidências de que a ínsula anterior fica menos ativa depois dos 55 anos. Essa área do córtex cerebral é responsável por, entre outras coisas, ativar alertas que nos ajudam a discernir em quem podemos confiar e quem está tentando nos enganar. Em outras palavras, quando essa pecinha falha, os mais velhos tornam-se mais suscetíveis à má-fé dos “amigos da onça”.

Dentro do Programa de Pesquisa Comportamental e Social, desenvolvido pelo National Institute on Aging (NIA) do governo norte- americano, os cientistas compararam, numa primeira etapa, a capacidade de discernir rostos dignos de confiança, ou não. Participaram da pesquisa 119 pessoas entre 55 e 85 anos e 24 jovens por volta dos 23 anos. O segundo grupo encontrou mais gente ‘suspeita’ em 30 fotos analisadas. A psicóloga Shelley E. Taylor, coordenadora do trabalho, explica que o grupo de idosos “não se deu conta de indícios faciais que são facilmente distinguíveis, como um sorriso falso ou um olhar evasivo”.

Numa segunda etapa do estudo, imagens de ressonância magnética foram usadas para encontrar diferenças no funcionamento do cérebro entre aqueles que desconfiassem dos fotografados e daqueles que não vissem qualquer problema de cara. Dessa vez, os participantes – 23 pessoas entre 55 e 80 anos e outras 21 mais jovens – tiveram suas atividades cerebrais escaneadas enquanto olhavam as fotos, confirmando a inatividade da insula anterior nos mais velhos e crédulos. Para Shelley, isso significa que o cérebro dos idosos não diz mais “fique esperto”, como o cérebro dos mais novos.

Outra desfunção biológica que torna as senhoras e os senhores alvos fáceis de tapeação ocorre bem perto da ínsula anterior, no córtex pré-frontal ventromedial, que controla nossas crenças e dúvidas. Depois dos 60 anos, esta parte do cérebro do tamanho de uma ameixa, que fica bem atrás dos olhos, começa a se deteriorar. Na análise do neurocientista Daniel Tranel, da Universidade de Iowa, isso prejudica e pode chegar a impedir que os mais velhos enxerguem as desvantagens e os riscos das suas decisões. Essa pesquisa também foi patrocinada pelo NIA, em parceria com o National Institute of Neurological Disorders and Stroke, outro órgão do governo federal norte-americano.

Prejuízo no bolso

Mais frágeis física e mentalmente, e mais carentes e ingênuos, os idosos atraem oportunistas, impostores profissionais e aproveitadores familiares. A seguradora MetLife calcula que em 2010 os norte-americanos de mais de 60 anos sofreram perdas de, pelo menos, US$ 2,9 bilhões com golpes e exploração financeira, um aumento de 12% em relação a 2008. Esta é o terceiro delito mais comum praticado contra os idosos, nos Estados Unidos. E, para cada caso que chega às delegacias, estima-se que existam quatro ou cinco que não foram denunciados.

Embora na maioria das vezes os aproveitadores sejam desconhecidos (51%), boa parte eram familiares, amigos e vizinhos (34%). No mais, prevaleceram fraudes praticadas por funcionários de empresas em geral (12%) e de empresas públicas e privadas de saúde (4%). O levantamento foi feito com base nas notícias dos jornais de vários pontos do país publicadas desde 1998.

No Brasil, ainda são escassas as medições sobre perdas financeiras dos idosos, apesar de se saber que a terceira idade aqui movimenta uma renda anual de R$ 243 bilhões e soma mais gente do que a população da Austrália inteira.

Nos últimos 50 anos, enquanto a população nacional triplicou, a faixa acima dos 60 anos cresceu seis vezes, saindo do patamar de 3,3 milhões (4,7% do total), em 1960, e chegando a 20,5 milhões (10,8%), no último censo de 2010.

Ainda segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25% dos idosos são responsáveis pelo sustento da sua família. Em torno de 70% conseguem ter independência financeira. Apenas 5% dos homens e 23% das mulheres dessa faixa da população declaram-se em dificuldades econômicas.

O mercado publicitário parece que ainda não se deu conta desse “filão”, mas os charlatões não perdem tanto tempo. Além dos golpes aplicados a qualquer um, mas que pegam mais facilmente os idosos – como pedidos de resgate por telefone, esquemas de enriquecimento por pirâmide e e-mails com promessas irreais –, há tramoias criadas especialmente para enganar esse “público”.

Falsos serviços para agilizar processos na Previdência Social e outras falcatruas cometidas por estranhos se somam à usurpação dos parentes, tais como retenção do cartão de conta bancária, dos rendimentos, da pensão ou do cartão de crédito, para desviar ou se apropriar da renda dos integrantes mais velhos da família.

Na segunda metade da década de 1990 foram abertas, em diversas partes do Brasil, delegacias especializadas no atendimento à terceira idade. E, em 2003, foi criada a lei do Estatuto do Idoso para proteger a que passou a ser chamada “melhor idade” – slogan criado para valorizar essa época da vida em que as pessoas costumam ter renda e tempo para aproveitar a vida, uma época cada vez mais longeva.

Apesar das iniciativas e do tamanha da população idosa, o Instituto de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, é um dos poucos órgãos no Brasil que preparam relatórios regulares consolidando e analisando números relacionados aos crimes contra os “mais maduros”.

O Estado do Rio de Janeiro possui a maior concentração nacional de pessoas acima dos 60 anos. Seus dados históricos demonstram que as tendências demográficas do Rio costumam se refletir posteriormente por todo o país. Mas, infelizmente, a possibilidade de que relatórios como o Dossiê da Pessoa Idosa, do ISP, também se repliquem Brasil afora parece bastante remota.

O dossiê mais recente, feito em 2011 e publicado na segunda metade de 2012, revelou que 21,5% de todos os crimes registrados pela Polícia Civil fluminense tiveram idosos como vítimas. Foram 61.353 casos, um número 8,7% acima do ano anterior (56.464) e o maior da série histórica, iniciada em 2002. No ranking dos crimes mais praticados, o estelionato ocupa o primeiro lugar, seguido por ameaças e lesões corporais culposas (veja o gráfico acima).

?Quando avaliadas as ocorrências em favelas com Unidade de Polícia Pacificadora a sequência é outra: lesão corporal dolosa, ameaça e estelionato. “Os casos de ameaça e lesão corporal dolosa foram cometidos, na sua maioria, por pessoas próximas ao idoso”, afirma Emanuel Caldas, sociólogo e analista criminal do ISP.

Apesar de mal-intencionados, ao que tudo indica, muitos meliantes devem ter sido recebidos com mimos, como fazia a Velhinha de Taubaté, servindo seu chá com biscoitos de polvilho com confiança cega nas visitas. Essa é a hora de os jovens protegerem os idosos.