Ventos podem significar problemas, desde despentear o cabelo até derrubar árvores e construções, mas também podem produzir eletricidade limpa, renovável e barata. Depois de anos sem dedicar muita atenção a essa fonte de energia, o Brasil enfim começou a aproveitá-la melhor.

Entre abril de 2014 e abril de 2015, a capacidade instalada de energia eólica (Éolo é o deus grego dos ventos) no país mais do que dobrou, segundo o Boletim Mensal de Monitoramento do Setor Elétrico, divulgado em junho pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Ela cresceu de 2,877 gigawatts (GW) para 5,833 gigawatts, um aumento de 102,8%. Com isso, passou a responder por 4,3% da potência instalada no país – para comparar, a Usina de Itaipu tem capacidade de 14 GW.


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O crescimento pôs o Brasil em destaque no cenário internacional. “Em 2014, conquistamos o quarto lugar entre os países que mais instalaram novas potências eólicas”, informa Elbia Silva Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). “Além disso, fomos classificados pela Bloomberg New Energy Finance [BNEF, empresa que fornece dados e análises sobre o setor no mundo] como o segundo país mais atrativo para receber investimentos na área de energias renováveis, na qual a energia dos ventos está em primeiro lugar.”

Os números mudam ligeiramente conforme a origem da informação, mas todos apontam crescimento expressivo no Brasil. Segundo o Conselho Mundial de Energia Eólica (em inglês, Global Wind Energy Council, ou GWEC), o país fechou 2014 com potência instalada de 5,96 GW, o que o deixa na 10ª posição no ranking mundial. O avanço é visível: em 2012, o Brasil era o 15º colocado, com 2,5 GW; em 2013, já era o 13º, com 3,4 GW.

Os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) são um pouco mais generosos: segundo ela, a potência eólica instalada no país é de 6,56 GW, ou 4,8% da matriz elétrica nacional. Ela fica em quinto lugar nesse ranking, atrás da hidrelétrica (82,5 GW, ou 62,1%), do gás natural (12,9 GW, ou 9,4%), da biomassa (12,5 GW, ou 9,1%) e do petróleo (9,6 GW, ou 7,0%). A energia eólica gera 2,3% da eletricidade produzida no país, atrás da hidrelétrica (71,8%), do gás (13,1%), do petróleo (6,1%) e do carvão (3,1%).

Crescimento rápido

Nos próximos anos, os ventos deverão ganhar uma importância cada vez maior como fonte energética no Brasil. “Hoje há no país 262 parques eólicos instalados e mais 461 já contratados, que podem ter suas obras iniciadas neste ou nos anos seguintes”, diz Elbia. O mais novo, o Parque Eólico de Geribatu, foi inaugurado pela presidente Dilma Rousseff em 27 de fevereiro em Santa Vitória do Palmar (RS). Com capacidade instalada de 258 megawatts (MW), o complexo atende 1,5 milhão de pessoas.

Com o parque, foi entregue o sistema de transmissão associado, que escoará a energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN). Financiado com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), o empreen­dimento, pertencente à Eletrobras Eletrosul e ao FIP Rio Bravo Energia 1 (fundo de investimentos em participações no setor energético), custou R$ 2,1 bilhões.

Geribatu e outros dois parques em implantação em municípios próximos – Chuí e Hermenegildo – formarão o Complexo Eólico Campos Neutrais, o maior da América Latina. O trio terá uma potência de 583 MW, suficiente para abastecer uma cidade com 3,4 milhões de habitantes.

O crescimento não parará aí. Segundo Altino Ventura, titular da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), o Plano Decenal de Expansão de Energia 2023 (PDE 2023), iniciado em 2014, prevê que, no fim desse período, a energia eólica terá capacidade instalada de 22 GW e responderá por 8,1% da eletricidade gerada no país.

Para isso, os investimentos destinados ao aproveitamento do vento também vêm crescendo. Enquanto em 1998, segundo a ABEEólica, apenas R$ 22,5 milhões foram aplicados no setor, no ano passado o valor saltou para R$ 11,2 bilhões. Em 2019, o total acumulado desde 1998 deverá chegar a R$ 80 bilhões – uma média de R$ 4 bilhões por ano nesse período.

Cenário propício

Investir em energia eólica no Brasil é um negócio fadado ao sucesso. Confira a seguir seis características que conspiram nesse sentido.

1) Capacidade dos ventos – Nenhum país se compara ao Brasil sob esse prisma. “O potencial eólico brasileiro atual é mais de três vezes a necessidade de energia do país”, diz Elbia Gannoum. “Hoje, somando todas as fontes (nuclear, hídrica, térmica, eólica e outras), a capacidade instalada nacional é de 136 GW.” De acordo com ela, o último estudo oficial do Brasil, feito em 2011 e publicado no Atlas Eólico Brasileiro, apontou um potencial dos ventos de cerca de 150 GW, usando-se torres de 50 metros de altura. Nos últimos dez anos, entretanto, a tecnologia evoluiu e permite gerar mais energia com torres mais altas. “Houve uma verdadeira revolução tecnológica, com a altura das torres passando de 50 para 120 metros e a potência dos aerogeradores, de 1 MW para 3 MW”, afirma Elbia. “Com a nova configuração, o potencial passa seguramente de 400 MW.”


Parque eólico em Mucuripe (CE), um dos 262 atualmente instalados no Brasil

2) Propriedades dos ventos – “Temos as quatro estações do ano muito semelhantes, enquanto na Europa há uma diferença grande entre o verão e o inverno”, diz Altino Ventura. “Quando isso ocorre, os ventos não são constantes e mudam frequentemente de direção. No Brasil, eles ocorrem de janeiro a dezembro, com direção mais ou menos uniforme no ano.”

3) Produtividade e rentabilidade – As características anteriores permitem que uma usina eólica brasileira seja mais produtiva e rentável do que uma europeia com potência instalada igual. “Aqui temos um fator de aproveitamento – a energia média produzida em relação à capacidade instalada – que pode variar entre 50% e 55%, enquanto na Europa a média é 30%”, diz Ventura. “Ou seja, com um investimento igual ao dos europeus, produzimos cerca de 50% mais eletricidade, o que reduz o custo do quilowatt-hora.”

4) Diversificação da matriz energética – Adriane Prisco Petry, coordenadora do curso de Engenharia de Energia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta a necessidade de diversificar a matriz elétrica. “Some-se a isso a política oficial de planejamento energético com previsão de inserção da eólica, desde a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), em 2004”, observa.


Complexo Alto Sertão, na Bahia: dois anos até ser conectado às linhas de transmissão

5) Custo – O custo da eletricidade produzida a partir dos ventos tem baixado, devido à política de leilões de energia. “Hoje, é uma das mais baratas produzidas no país”, diz Adriana.

6) Tecnologia própria – “O Brasil já domina a tecnologia da energia eólica”, diz Ventura. “Os equipamentos para instalação das usinas são fabricados no país, o que é uma vantagem importante, pois cria empregos na economia brasileira e condições de atender o mercado interno.”

Transmissão emperrada

Para destravar o setor de vez, porém, é preciso superar um obstáculo crucial: o atraso em obras das linhas de transmissão, uma responsabilidade em geral de empresas federais ou estaduais. Em junho de 2014, 1.129 MW de potência instalada estavam indisponíveis por falta de linhas, segundo o MME.

Em janeiro deste ano, a Aneel apontou atraso em cerca de 60% das obras do setor. Quando a Aneel avalia que a usina está concluída, o governo federal deve pagar a produção de energia prevista à empresa construtora, mesmo que as linhas ainda não estejam prontas.

Um exemplo desse descaso é o complexo Alto Sertão I, o maior da América Latina atualmente, construído pela Renova Energia no sudoeste da Bahia. Pronto desde 2012, com 293,6 MW de capacidade, ele só começou a funcionar em 2014, quando a Chesf concluiu a sua parte. Enquanto isso, a Renova já havia recebido cerca de R$ 285 milhões do governo.

O consultor de energia eólica Jurandir Picanço resume o paradoxo: “Não adianta ter uma linha de transmissão sem ter produção de energia. Mas nós também temos a notícia do inverso: parque eólicos prontos sem poder gerar energia, porque não tinham linhas de transmissão concluídas”, observa. A conta do descalabro, como se sabe, está chegando a todos os consumidores brasileiros.

O gargalo, porém, vem sendo reduzido. Hoje, o total não aproveitado caiu mais de 70%. Para evitar a repetição do problema, os novos leilões de geração têm como premissa que os futuros parques eólicos só podem ser construídos se as linhas de transmissão forem instaladas com eles.

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Aproveitamento antigo

Vento é o ar em movimento. Isso ocorre por causa do aquecimento não homogêneo da atmosfera próximo ao solo, ocasionado por irregularidades da superfície e diferenças entre regiões próximas, como entre a terra e o mar. A forma quase esférica da Terra e a sua rotação, que dá origem ao dia e à noite, também influenciam a formação do vento.

Quando é aquecido, o ar se torna mais leve e sobe na atmosfera, deixando um “vazio” – denominado zona de baixa pressão – no local onde estava junto à superfície. Com isso, massas de ar frio de regiões próximas se deslocam para ocupar essas zonas, dando origem ao vento. A força do vento tem sido usada ao longo da história em aplicações como barcos a vela, moinhos de grãos e aparelhos para bombear água.

Entre os séculos 5 e 15, os holandeses aproveitavam a energia eólica para drenar regiões alagadas. Já o primeiro moinho de vento a produzir energia elétrica não é tão antigo: com 10 metros de altura, ele foi erguido em Marykirk (Escócia), em 1887, por James Blyth. A geração de eletricidade pelo vento começou, de fato, com os dinamarqueses, no início do século 20.

Em 1941 surgiu o primeiro aerogerador com potência acima de 1 kW, conectado à rede do estado de Vermont (EUA) . Durante os anos 1950 e 1970 foram produzidos aerogeradores com potência de até 300 kW, sobretudo na Europa. Atualmente, uma única turbina, fabricada pela empresa dinamarquesa Vestas para uso em alto-mar, pode gerar 8 MW.

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Ranking eólico

O líder mundial em energia eólica é a China, de acordo com o Global Wind Energy Council. Com capacidade instalada de 114,76 GW em 2014, o país é seguido por Estados Unidos (65,88 GW), Alemanha (39,16 GW), Espanha (22,95 GW) e Índia (22,46 GW).

A mesma fonte ressalta que, entre os países que mais cresceram em termos de potência instalada em 2014, o Brasil, 10º colocado na outra lista, só ficou atrás das três maiores potências do setor: a China (que acrescentou 23,35 GW a sua capacidade já existente), a Alemanha (5,28 GW) e os EUA (4,85 GW).


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Interesse internacional

Segundo Elbia Gannoum, da ABEEólica, o mercado brasileiro tem atraído grandes empresas internacionais. Entre elas estão as espanholas Gamesa e Acciona, a indiana Suzlon, a dinamarquesa Vestas, as alemãs Siemens e Wobben Windpower, a francesa Alstom, a americana GE e a argentina Impsa.

“Essas multinacionais são muito atuantes no mercado, tendo inclusive estabelecido fábricas no Brasil para se adequar às regras de conteúdo local estabelecidas pelo Finame (programa de financiamento de máquinas e equipamentos do BNDES)”, diz. “A maior atuação delas é na fabricação de aerogeradores e componentes, mas também existem aquelas que participam do desenvolvimento de parques eólicos, como a [multinacional norueguesa] Statkraft.”