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Se houvesse uma relação de sete maravilhas construídas pela natureza, o Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia, muito provavelmente estaria entre os lugares eleitos. Os viajantes que atravessam de carro o monótono Vale Central do estado na direção leste mal podem imaginar a surpreendente paisagem que se descortina depois de subir as encostas ocidentais da Sierra Nevada pela rodovia estadual 41.

De repente, um vale de origem glacial surge à frente, com altas escarpas de granito formando paredões de até mil metros de altitude dos lados e cachoeiras deslumbrantes de trechos em trechos. Na base do vale, águas cristalinas, muito verde (em especial de maio a agosto) e diversos exemplares da fauna e da flora silvestres encantam os olhos dos visitantes. Na sua área de pouco mais de 3.000 km2, o Parque Nacional de Yosemite, administrado pelo Serviço Nacional de Parques do governo americano, abriga ainda atrações como sequoias-gigantes, vinícolas e marcos históricos da Corrida do Ouro da Califórnia, ocorrida em meados do século 19.

O impressionante visual da área de Yosemite é resultado de um cenário geológico que começou a surgir há mais de 50 milhões de anos, com a formação da Sierra Nevada. Aproximadamente 10 milhões de anos atrás, a serra cresceu em altitude e depois curvou-se, um movimento que deixou suas encostas ocidentais mais suaves e tornou ainda mais acidentado o lado oriental. Com a elevação do solo, os cursos dos rios se inclinaram mais, formando cânions profundos e estreitos. O gelo depositado ali há cerca de um milhão de anos fez o grosso do trabalho restante: as massas formadas, em movimento descendente, moldaram a paisagem atual, sobretudo o vale que hoje atrai a maioria dos visitantes.

Perfeição infinita

A região de Yosemite foi habitada por milênios pelos índios ahwahneechees, cujas aldeias se espalhavam pelo vale e por montanhas vizinhas. O nome, atribuído pela tribo miwok, com quem os ahwahneechees comerciavam, significa na sua língua “aqueles que matam”, e essa fama de violência era compartilhada por outras tribos vizinhas (veja quadro abaixo). Já os ahwahnee­chees denominavam seu vale Awooni ou Owwoni – “Grande Boca”. Segundo essa tribo, Yosemite era o ventre sagrado da Terra, o embrião divino de onde as maravilhas da natureza eram expelidas em sua perfeição infinita.

A idílica paisagem da época começou a ser alterada quando um destacamento do Exército americano chegou ao vale, na primeira metade do século 19, seguido por garimpeiros que a Corrida do Ouro da Califórnia havia atraído. Descoberto seu potencial comercial, Yosemite já estava sob controle dos brancos em 1850. Ali os novos ocupantes criaram um entreposto madeireiro e de peles.

A destruição anunciada começou a ser estancada na década seguinte, e em 1864 o presidente Abraham Lincoln assinou o Yosemite Grant, um prenúncio da legislação dos parques nacionais que seria inaugurada em 1872, com Yellowstone. Em 1890, graças a esforços de um dos grandes nomes do ambientalismo americano, o naturalista John Muir, fundador do Sierra Club, Yosemite tornou-se parque nacional. Em vários pontos do vale os visitantes podem encontrar placas com observações de Muir sobre a proteção e a preservação de Yosemite.

Em média, o Parque Nacional de Yosemite é visitado anual­mente por cerca de 4 milhões de pessoas, mas em 2016, pela primeira vez, mais de 5 milhões de turistas passaram por lá. Em sua maioria, os visitantes se concentram no vale, sede da maior parte dos campings, lanchonetes e (caros) hotéis). Mesmo correndo o risco de conviver com uma superpopulação em meio a essa overdose de natureza, quem só pode passar um dia em Yosemite tem de se contentar com o vale – mas só ele possui belezas mais do que suficientes para prender a atenção dos visitantes.

Muralhas de granito

Caminhando algumas centenas de metros a partir da estrada, é possível maravilhar-se (e também molhar-se, dependendo da direção do vento) com as cachoeiras Yosemite, Ribbon e Bridavell. As formações Half Dome e El Capitan se destacam entre as íngremes muralhas graníticas do vale. E não se pode esquecer os bosques e cursos d’água da área, locais para passeios a pé e piqueniques em meio a muito verde. Uma escapada por uma estrada secundária leva ao Glacier Point, privilegiado mirante que mostra o vale por cima, com um mar de montanhas a cercá-lo e grandes cachoeiras sobressaindo em meio às rochas. Alerta: os agasalhos são sempre necessários lá, pois a temperatura é bem mais baixa do que a do vale.

Outros pontos de grande beleza cênica são o reservatório Hetch­ Hetchy, Crane Flat e Tuolumne Meadows. Os aventureiros que dispuserem de mais tempo têm chance de explorar outras áreas do parque acessíveis apenas por trilhas (percorridas a pé ou a cavalo). Quem já fez alguns desses percursos afirma que o espetáculo é imperdível.

Os animais e vegetais são uma atração à parte. Contam-se ali mais de 250 espécies de vertebrados, entre os quais se encontram raposas, coiotes, marmotas, guaxinins, cervos, pumas, linces, ursos-pretos, variedades de corujas e pica-paus. A flora imponente inclui, além de sequoias-gigantes, variedades de pinheiros, cedros, abetos e carvalhos.
O Parque Nacional de Yosemite fica aberto o ano inteiro, e o turista pode escolher as atividades de sua preferência dependendo da época de visitação. Entre as várias opções, as caminhadas são sempre indicadas, e quem quiser pedalar pelo vale encontrará bicicletas para locação.

Os paredões de granito convidam às escaladas, e aulas sobre essa prática são oferecidas aos interessados. É possível também passear montado, a cavalo ou em mula. Quem quiser esquiar deve procurar, entre dezembro e abril, a Badger Pass Ski Area, que abriga as mais antigas pistas de esqui da Califórnia. Um sistema gratuito de ônibus percorre o vale, uma alternativa interessante no verão, quando a área fica superlotada e achar uma vaga para o carro vira uma tarefa complicada.

Qualquer que seja o local do parque onde se esteja e a atividade escolhida, porém, sempre se convive com a impressão dos ahwahneechees de que ali se está em comunhão plena com a natureza. A essa obra extraordinária e a seu majestoso criador só nos resta mesmo dedicar uma profunda reverência.


Ocupantes violentos

Os índios ahwahneechees, moradores do vale de Yosemite quando os brancos chegaram à região, tinham fama de violentos entre as tribos vizinhas, como seus parentes paiutes e monos e os miwoks. O nome atual da região ficou conhecido entre os ocidentais, aliás, em função disso: quem o disseminou foi o dr. Lafayette Bunnell, médico do Batalhão Mariposa, comandado pelo major do Exército Jim Savage, que entrou no vale em 1851 para debelar uma rebelião dos ahwahneechees, liderados pelo chefe Tenaya. (Bunnell, na verdade, cometeu um engano em relação ao nome: ele pensava que a palavra miwok Yosemite significava “urso-cinzento”.) O médico teve oportunidade de conversar algumas vezes com Tenaya e descreveu esses diálogos, assim como suas impressões sobre o vale, no livro The Discovery of the Yosemite.

Vencidos, os índios foram removidos para uma reserva próxima a Fresno, no Vale Central da Califórnia, a cerca de 300 quilômetros do vale. Tenaya e alguns membros de sua tribo receberam autorização para voltar a Yosemite em 1852, mas na primavera daquele ano atacaram alguns garimpeiros e, para fugir dos brancos, foram se refugiar a leste, com uma tribo de monos. Mas nem o parentesco sossegou os ahwahneechees: eles roubaram cavalos de seus anfitriões e se puseram em fuga novamente. Os monos perseguiram os fugitivos e mataram a maioria deles, inclusive o chefe Tenaya. Os sobreviventes acabaram por se misturar aos seus captores.