Em resultados anunciados esta semana no 237º Encontro da Sociedade Astronômica Americana, cientistas do Sloan Digital Sky Survey (SDSS, o mais ambicioso levantamento astronômico em andamento, conduzido nos EUA) apresentam o olhar mais detalhado até agora sobre a deformação de nossa galáxia, a Via Láctea.

“Nossa imagem usual de uma galáxia espiral é como um disco plano, mais fino do que uma panqueca, girando pacificamente em torno de seu centro”, disse Xinlun Cheng, da Universidade da Virgínia (EUA), principal autor do estudo. “Mas a realidade é mais complicada.”

Os astrônomos sabem há décadas que muitas galáxias espirais na verdade têm discos com uma leve torção, como uma batata frita de pacote ou um disco de vinil deixado por muito tempo ao sol. Essas torções ocorrem em cerca de 50% a 70% das galáxias espirais, incluindo a Via Láctea.

Limitações de perspectiva

Surpreendentemente, no entanto, não sabemos muito sobre a deformação da Via Láctea. Presos bem no fundo e limitados a apenas uma única perspectiva da Terra, não temos a capacidade de ver nossa galáxia empenada com uma olhada. Em vez disso, devemos traçar a forma dessa deformação estudando cuidadosamente as posições e movimentos das estrelas em toda a Via Láctea.

Foi exatamente isso o que os pesquisadores fizeram. Graças aos dados do SDSS, eles conseguiram obter uma visão mais detalhada do que nunca. Descobriram não apenas que o disco da galáxia está empenado; essa deformação viaja ao redor da galáxia uma vez a cada 440 milhões de anos.

“Imagine que você está na arquibancada de um jogo de futebol e a multidão começa a fazer a ola”, diz Cheng. “Tudo que você faz é se levantar e sentar, mas o efeito é que a onda percorre todo o estádio. É o mesmo com a deformação galáctica: as estrelas só se movem para cima e para baixo, mas a onda viaja em toda a galáxia.”

A deformação sutil da Via Láctea se torna clara refletindo a galáxia em si mesma nesta imagem baseada na imagem 2MASS. Crédito: Adrian Price-Whelan
Medições superprecisas

Para encontrar esse resultado inesperado, a equipe utilizou o espectrógrafo de alta precisão do Apache Point Observatory Galactic Evolution Experiment (Apogee), parte do SDSS. Ao longo de seus quase 10 anos de vida, o Apogee observou centenas de milhares de estrelas na Via Láctea. Ele faz isso coletando espectros, medições da luz das estrelas divididas em seus comprimentos de onda componentes, da mesma forma que um prisma divide a luz em um arco-íris de cores.

“Os espectros do Apogee fornecem informações sobre a composição química e os movimentos de estrelas individualmente”, explica o dr. Borja Anguiano, da Universidade da Virgínia, coautor do estudo e mentor de Cheng. “Isso nos permite separá-los em grupos diferentes, o que, por sua vez, nos permite seguir a deformação separadamente dentro de cada grupo de estrelas.”

Mas os espectros do Apogee por si só não foram suficientes para entender a distorção. Rastrear a deformação galáctica requer medições extremamente precisas das distâncias estelares. Para obter essas distâncias, a equipe recorreu aos dados do satélite Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), que calcula as distâncias para milhões de estrelas medindo as pequenas oscilações para frente e para trás na direção da estrela como a Terra (e o satélite) orbita o Sol.

Ao combinar os dados do Apogee e do Gaia, a equipe conseguiu criar mapas tridimensionais completos de estrelas na Via Láctea, com informações detalhadas sobre a posição, velocidade e química de cada estrela. De posse dessas medições de alta precisão, a equipe pôde sondar mais longe, na parte externa de nossa galáxia, para produzir o estudo mais detalhado desse fenômeno.

Animação que mostra o modelo de deformação galáctica descrito no estudo. Crédito: Xinlun Cheng
Interação com vizinha

A análise mostrou como a deformação é causada pela onda que viaja pela Via Láctea, fazendo com que estrelas individuais se movam para cima e para baixo no plano da galáxia enquanto ela viaja. O novo estudo mediu a velocidade e a extensão da onda com mais precisão do que nunca.

A explicação mais provável para a deformação é que uma interação recente com uma galáxia satélite criou uma ondulação gravitacional, e essa ondulação continuou a se mover pela galáxia, formando a onda. Cheng explica: “Nosso melhor modelo é que houve um encontro com uma galáxia satélite há cerca de 3 bilhões de anos. Isso é considerado relativamente recente pelos astrônomos galácticos.”

Resultados como esse mostram como as galáxias são dinâmicas e em constante mudança em escalas de tempo astronômicas.

A emoção está apenas começando para a Via Láctea. Em cerca de 4 bilhões de anos, espera-se que colidamos com a galáxia de Andrômeda, um evento que mudará nosso lar galáctico para sempre.