Vias elevadas construídas em regiões metropolitanas nunca foram unanimidade, mas com o tempo o conceito vem ficando cada vez mais negativo. Em casos como o Minhocão, em São Paulo, e o Elevado Perimetral, no Rio de Janeiro, o problema é evidente. Para favorecer o tráfego de automóveis que atendem uma minoria e deveriam ceder a primazia ao transporte coletivo, optouse por desfigurar, desvalorizar e deteriorar a paisagem urbana. Muitos defendem a demolição de tais aberrações arquitetônicas. Mas também é possível reaproveitálas.

O símbolo da nova reciclagem urbana é o High Line, o parque criado no sudoeste de Manhattan, em Nova York. A linha elevada que deu nome ao projeto foi construída no início dos anos 1930 para levar trens de carga ao distrito industrial da ilha. Pairando a nove metros do solo, a prefeitura instalou uma via férrea de 21 quilômetros de extensão para substituir um trecho da ferrovia que corria sobre o solo e cruzava 105 ruas e avenidas – colocando em risco a comunidade. Não por acaso, a Décima Avenida, uma das artérias cortadas pelos trilhos, ganhou o nome de “Avenida da Morte”.

Com a desindustrialização da ilha nos anos 1960, a extremidade sul da via foi demolida. Em 1980, o último trem passou pela High Line. A pista foi então desativada e, em 1984, os proprietários de imóveis situados sob a estrutura começaram a se mobilizar para derrubála. O impasse se arrastou por 15 anos, durante os quais a High Line ganhou a inesperada presença de espécies vegetais resistentes de clima seco, como gramíneas, arbustos e pequenas árvores.

Abaixo, vista de uma seção do trecho inaugurado em 2009.

Em 1999, a demolição já estava nos planos da prefeitura quando o Friends of the High Line, um grupo criado pelos moradores, liderados por Joshua David e Robert Hammond, propôs que ela fosse transformada num parque público elevado, inspirado num trecho do Promenade Plantée, de Paris. A ideia ganhou apoio de moradores e autoridades e, em 2004, as autoridades destinaram US$ 50 milhões para concretizála. O projeto do parque foi entregue à empresa de paisagismo James Corner Field Operations e ao escritório de arquitetura Diller Scofidio + Renfro.

Abaixo, cenas da parte nova, aberta em 2011.

A primeira parte da obra, entre a Gansevoort Street e a 20th Street, foi iniciada em 2006, com a remoção de trilhos, do balastro (a mistura de areia, cascalho e materiais assentada na ferrovia para segurar os dormentes) e do entulho. A seguir foram feitos jateamento de areia para recuperar o aço, reparos no concreto e no sistema de drenagem e colocação de repelentes de pombos sob a via. Em 2008 foram instaladas escadas de acesso, trilhas, assentos e iluminação. As espécies que brotaram espontaneamente foram replantadas. Em 2009, o trecho foi inaugurado. A segunda parte, entre a 20th Street e a 30th Street, foi aberta em 2011.

O High Line possibilita paisagens inusitadas da cidade. Acima, à direita, o hotel Standard, construído sobre o parque.

Por enquanto, o High Line tem 1,6 quilômetro de extensão. Há planos para estendê-lo até a 34th Street, com boa chance de êxito: a empresa dona do trecho já sinalizou que vai doá-lo à cidade.

PRÓXIMA PARADA: PARQUE SUBTERRÂNEO

Nova York está prestes a abrigar, também, o primeiro parque subterrâneo. O LowLine (oficialmente, Delancey Underground) pretende ocupar cerca de 8.100 m2 de uma estação do metrô desativada há décadas em Delancey Street, no sudeste de Manhattan.

Concebido pelo arquiteto James Ramsey, pelo executivo da rede social PopTech Dan Barasch e pelo administrador de investimentos R. Boykin Curry IV, o LowLine pretende não apenas servir à comunidade numa região muito carente de áreas verdes, mas também se tornar um modelo de aproveitamento de espaços vazios subterrâneos.

Ex-engenheiro de satélites da agência

espacial americana (Nasa) e atual arquiteto- chefe do Raad Studio, Ramsey desenvolveu um sistema de iluminação especial para o projeto, chamado de “claraboia remota”. O dispositivo canaliza a luz solar por cabos de fibra óptica que filtram as radiações infravermelhas e ultravioleta nocivas, mas deixam passar os comprimentos de onda que induzem ao processo de fotossíntese, a fim de permitir o crescimento de plantas e árvores. “Propomos usar um sistema de irrigação solar para coletar e concentrar a luz do Sol no subsolo”, diz o arquiteto.

Ele imagina uma plataforma com dúzias de coletores solares na Delancey Street,

 

coletores solares na Delancey Street, alimentando um sistema de iluminação situado no interior da estação.

Segundo o engenheiro, o projeto passará por testes em 2012. Antes de requisitar o espaço pretendido ao órgão responsável, a Metropolitan Transit Authority (MTA), os projetistas planejam passar um ano engajando os moradores do Lower East Side na ideia, apresentando-a em escolas de ensino médio e encontros comunitários. Também pretendem debater o conceito na Faculdade de Arquitetura da Universidade Colúmbia e já iniciaram uma coleta online de US$ 100 mil para produzir maquetes do empreendimento.

O High Line já se tornou um xodó de novaiorquinos e turistas. Um de seus atrativos é permitir uma visão nova, inusitada, da cidade e do Rio Hudson, que margeia o oeste de Manhattan. Há uma plataforma que põe o visitante no nível da copa das árvores. Um gramado com mais de 450 m2 (raridade na área) oferece uma pista de skate e locais para se sentar e apreciar o ambiente. A cada primavera, a vegetação recebe uma cuidadosa poda. Não faltam locais para comer e beber, tanto no parque aéreo como na sua vizinhança.

Segundo o arquiteto James Corner, um dos projetistas do parque, os detalhes foram pensados para dar ao visitante a sensação de ter chegado a um “jardim secreto e mágico no céu”. “O que é ótimo no High Line é a existência de refúgios, recantos e abrigos. Há descobertas incríveis por fazer. Se as pessoas forem ao parque e encontrarem deleite, acho que teremos sido bem-sucedidos”, disse Corner aos jornais.

A vida cultural também anima o parque. Um setor do Friends of the High Line, o High Line Art, produz e comissiona obras de arte pública, tanto na via quanto nas cercanias, além de promover exibições, performances, programas de vídeo e outros eventos.

A iniciativa já revitalizou o Lower West Side. Bem frequentado e com baixos índices de criminalidade, o parque aéreo já estimulou a construção de mais de 30 empreendimentos imobiliários, prontos ou em andamento. A lista inclui até dois hotéis sofisticados o Standard, na 13th Street (sobre o High Line), e o American, entre a 27th Street e a Décima Avenida.

O sucesso já inspira Chicago, Filadélfia e Saint Louis a fazer algo similar. Rahm Emanuel, prefeito de Chicago, disse ao The New York Times que o parque é “um símbolo catalisador da revitalização de bairros”. Oxalá o exemplo frutifique em outros hemisférios e latitudes.

“Queríamos criar a sensação de um jardim mágico no céu”, James Corner, um dos autores do projeto.

Para saber mais

Site: www.thehighline.org