Em 13 de dezembro de 2012, a Organização Mundial do Turismo, ligada à ONU, celebrou um marco: nesse dia registrou-se 1 bilhão de pessoas viajando para outros países no ano, um recorde histórico que consagra o turismo como um dos maiores setores econômicos do mundo. Essa incrível expansão está lastreada pela chegada de novos clientes a esse mercado, graças à crescente melhora do poder aquisitivo global. No Brasil, por exemplo, famílias com rendimento mensal entre R$ 622 e R$ 4.561 quase quadruplicaram os gastos com viagens nos últimos dez anos, de acordo com o Ministério do Turismo.

A faixa emergente da população brasileira respondeu sozinha por quase um terço dos R$ 127 bilhões gerados pelo setor em 2011, na compra de passagens aéreas, hospedagem, gastronomia e serviços turísticos. Previsivelmente, multiplicaram-se as cenas de aeroportos superlotados, estradas entupidas e turistas mal-humorados – mas nenhum desses transtornos impediu a evolução nos indicadores da área.

Por que viajamos? Apesar de todos os inconvenientes encontráveis em aeroportos, estradas, navios, hotéis e restaurantes, por que encaramos o desafio e vamos em frente? O impulso migratório ancestral que estimulou o Homo sapiens a espalhar-se da África para todos os cantos habitáveis da Terra certamente ajuda. Embora o início da agricultura e o sedentarismo tenham atenuado essa força, ela nunca nos abandonou. Mas somente isso justificaria a ânsia por viajar?

Uma leitura de várias tradições antigas mostra que o tema da viagem é uma constante. Tanto os autores da Antiguidade quanto os psicólogos modernos concordam que o simbolismo é dos mais nobres: deixar o lar rumo a um local distante envolve movimento e, consequentemente, transformação e progresso interior, obtidos pela aquisição de experiências e conhecimentos.

“Experiência e viagem, essa é a verdadeira educação”, dizia o dramaturgo grego Eurípedes. “Não me fale sobre a sua educação, fale-me sobre quanto viajou”, clamava o profeta Maomé. “A viagem ensina a ver”, diz um provérbio africano. Em outra instância, o jornalista Luis Pellegrini observa no livro Os Pés Alados de Mercúrio (Ed. Axis Mundi) que viajar pode representar a busca pelo centro espiritual interno – o self de que falou o psicanalista Carl Gustav Jung e o eu supremo citado por Buda.

O ato de viajar favorece a entrada num estado de atenção plena que o budismo considera fundamental para a prática da meditação, diz Ellen Langer, professora de psicologia da Universidade Harvard (EUA). Nesse estado, sentimo-nos presentes e observamos tudo o que nos cerca sem fazer julgamentos. A viagem e as novidades que ela traz quebram o ritmo de piloto automático com que a maioria das pessoas conduz sua vida, da casa para o trabalho e vice-versa, afirma Ellen.

Atenção acesa

“Tédio é um estado mental”, diz a professora. “O que as pessoas deveriam fazer quando saem de férias e experimentam o sentimento de estarem atentamente envolvidas com sua própria vida, é encontrar uma forma de trazer isso de volta para a rotina e para o trabalho.” Viajar faz bem à saúde.

A ciência tem encontrado outros benefícios no ato de viajar. As viagens – não importa para onde, nem se são físicas ou mentais – nos ajudam a pensar com mais eficiência e a ser mais criativos. Elas permitem driblar uma característica da cognição que aplica aos problemas considerados “próximos” uma abordagem mais concreta e rotineira. Essa característica mental, que privilegia a eficiência, nos ajuda a concentrar no tema que exige nossa atenção, mas também cerceia a nossa imaginação, que trabalha com menos liberdade. Já quando saímos do lugar onde moramos, a mente relaxa e abre espaço para o imprevisível e as ideias que normalmente não nos ocorreriam.

Pesquisas conduzidas em 2009 por Lile Jia e sua equipe na Universidade de Indiana (EUA), exemplificam isso. Jia dividiu aleatoriamente dezenas de alunos de graduação em psicologia em três grupos, os quais foram solicitados a fazer uma lista com o máximo de meios de transporte de que se lembrassem. Ao primeiro grupo, os psicólogos afirmaram que a tarefa fora desenvolvida por alunos da universidade que estudavam na Grécia (condição distante); ao segundo, que fora elaborada por alunos da Universidade de Indiana (condição próxima); o terceiro serviu como grupo de controle (sem referência à origem do teste). Estimulado pela menção à Grécia, o primeiro grupo indicou um número muito maior de possibilidades que os demais, enumerando cavalos, bicicletas, trirremes e até naves espaciais.

Em outro estudo, Jia propôs três charadas. A um dos grupos foi dito que elas haviam sido elaboradas no campus da Universidade de Indiana; ao segundo, que haviam sido criadas num instituto de pesquisas da Califórnia, a mais de três mil quilômetros de distância; e o terceiro não recebeu informações a esse respeito. Mais uma vez, os alunos envolvidos na condição distante saíram-se bem melhor do que os demais, solucionando os desafios com mais rapidez e inventividade.

“Demonstramos que as menores sugestões de distância espacial são suficientes para influenciar a criatividade dos indivíduos”, observam Jia e os colegas Edward Hirt e Samuel Karpen em artigo publicado em setembro de 2009 no Journal of Experimental Social Psychology. A origem geográfica dos testes não fez diferença no que se refere à sua resolução, mas bastou mencionar que vieram de longe para estimular os participantes a pensar mais criativamente.

Expansão mental

Uma pesquisa conduzida na Escola de Ciências Psicológicas da Universidade de Tel-Aviv, Israel, em 2012, pela equipe da professora Nira Liberman, seguiu uma trilha semelhante à dos estudos da Universidade de Indiana. Para verificar se o “pensamento expansivo” ajuda a ampliar a criatividade também de crianças entre 6 e 9 anos, os pesquisadores ofereceram aos pequenos uma série de fotografias que mostrava objetos próximos (por exemplo, um lápis sobre uma mesa) e distantes (uma foto da Via Láctea).

Metade das crianças testadas começou vendo as fotos dos objetos próximos e acabou com as de objetos distantes; a outra metade seguiu o roteiro inverso. Depois disso, as crianças passaram por testes de criatividade nos quais recebiam um objeto e deviam atribuir a ele o máximo de utilidades possível. O grupo que começou vendo objetos próximos e depois passou aos distantes descreveu um número muito maior de usos para os objetos e também maneiras mais criativas de empregá-los.

No exemplo de um clipe, a resposta convencional era “prender papel”, mas surgiram alternativas como “marcador de livro” e “enfeite de árvore de Natal”. Em artigo sobre o estudo publicado na edição de abril de 2012 do Journal of Experimental Child Psychology, a psicóloga israelense assinala que “a distância espacial, ao contrário da proximidade espacial, mostrou claramente que estimula o desempenho criativo… [e] a distância psicológica pode ajudar a promover a criatividade porque nos encoraja a pensar de forma abstrata”.

Outro nome destacado no estudo dos efeitos da viagem no cérebro é o americano Adam Galinsky, psicólogo da Kellogg School of Management, da Northwestern University. Na conclusão de sua pesquisa de 2012 sobre biculturalismo (a identificação de um indivíduo com duas culturas), ele afirma que pessoas biculturais apresentam índices de promoção mais altos e melhor reputação, são mais empreendedoras e produzem mais inovações no trabalho do que aquelas que se identificam com uma única cultura.

“O que nos foi claramente mostrado”, diz o psicólogo em artigo sobre o estudo publicado na edição de setembro de 2012 do Journal of Personality and Social Psychology, “é que quanto mais alguém se adapta ao seu ambiente [estrangeiro], mais se beneficia em termos da criatividade de longo prazo”.

Outro estudo de Galinsky, feito em 2009 com a escola de negócios Insead, da França, e publicado em maio de 2009 na mesma revista, revelou que estudantes que haviam vivido no exterior mostraram uma tendência 20% maior de resolver a simulação de computador de um teste psicológico clássico, o “Problema da Vela Duncker”, do que aqueles que nunca haviam morado no exterior. No problema, um indivíduo recebe uma caixa de papelão contendo tachas, fósforos e uma vela de cera. O desafio é descrever como fixar a vela num pedaço de cortiça colado em uma parede, de modo que ela queime sem que a cera escorra para o chão.

Cerca de 90% das pessoas escolhem uma de duas “soluções”: fixar a vela diretamente na cortiça com as tachas, ou derreter parte da vela para colá-la à cortiça. Na primeira opção, a vela quebra; na segunda, a cera derretida não é capaz de prender a vela. O fracasso faz a maioria desistir. Apenas 25% ou menos dos participantes chegam à resposta certa: fixar com cera derretida a base da vela a uma das faces internas da caixa e prender o fundo desta à cortiça com as tachas. Para resolver a questão, portanto, é preciso entender que a caixa não é apenas o receptáculo dos itens do teste, mas outro item. Ou seja, que ela pode ter uma função diferente da que lhe fora atribuída no início – basta pensar “fora da caixinha”.

Para Galinsky, a maior facilidade com que os alunos biculturais resolveram o problema é justificada porque adaptar-se a outra cultura promove a “complexidade integrativa” – a habilidade de considerar e combinar múltiplas perspectivas. Esse é um ingrediente-chave para a criatividade e o sucesso. A imersão em outra cultura é fertilizante, afirma o psicólogo, mas ele adverte que não basta apenas estar em outro país. O estímulo à criatividade depende da disposição mental para aprender novas normas, regras e costumes. As pesquisas mostraram que as pessoas que mais “crescem” são as que se identificam tanto com os anfitriões quanto com a cultura de sua terra natal, em vez de pender para um lado ou outro.

“A atitude-chave é ter mente aberta e gostar de experimentar os costumes locais”, afirma Galinsky. “Imagine duas pessoas. Uma vive em Paris por seis meses, mas só tem contato com americanos. Outra fica três semanas, mas passa todo o tempo se adaptando ao ambiente. Quem viaja e se adapta está mais propenso a se beneficiar quando surge a criatividade do que a pessoa que vive lá e não se adapta. Não se trata só de comer a comida local. É pôr-se numa posição de ver como os nativos comem aquela comida. É mergulhar fundo na cultura.”

Viajar, portanto, é uma condição especial para nos enriquecermos, tornando-nos mais criativos e flexíveis. Depois de entrar em contato com outras maneiras de viver o dia a dia, nosso arsenal para enfrentar os desafios se expande. Essa magia não está limitada a nenhuma latitude ou longitude. Pode acontecer tanto na Torre Eiffel ou na Disney World quanto numa clareira da floresta amazônica ou na mais isolada ilha do Oceano Pacífico. Como certa vez sintetizou o escritor Henry Miller, “o destino de uma pessoa nunca é um lugar, mas uma nova maneira de ver as coisas”.