Há 150 anos, em janeiro de 1863, o metrô de Londres foi o primeiro a começar a funcionar no mundo. O título de nobreza desse pioneirismo já foi suplantado pela eficiência dos metrôs novos-ricos de Pequim e Xangai, bem maiores que as 11 linhas, os 408 quilômetros de trilhos e as 275 estações do London Underground (o nome dos trens da Metropolitan Railways). Há, porém, alguns títulos difíceis de arrebatar do The Tube (“o tubo”, seu apelido). Não há sistema de transporte mais cosmopolita, mais diversificado e mais civilizado no mundo. 

São 3 milhões de passageiros por dia, 1 bilhão por ano, de todas as raças, confissões e origens. Às vezes é difícil encontrar alguém com “cara de inglês”. O bilhete é caro, 4,30 libras (cerca de R$13,50), mas pelo menos o sistema funciona com uma pontualidade lendária. Em caso de atraso, os passageiros têm direito a reembolso. Se alguém for pego sem o bilhete pelos policiais espalhados entre os passageiros (uniformizados ou em roupas civis), a multa é de 80 libras (R$247), fora o risco, bem mais sério, de ser processado pelo crime de evasão de tarifas. 

Desde 1905, os trens trocaram o vapor pela energia elétrica. A velocidade média é de 32,8 km por hora. Em um ano, 4.134 comboios percorrem o equivalente a 90 viagens de ida e de volta entre a Terra e a Lua. Há 426 escadas rolantes (a da estação Angel é a maior da Europa, com 60 metros) que rodam o equivalente a duas voltas ao redor do planeta, por semana.

Apenas 45% do sistema corre sob a terra, mas há 1 milhão de ratos nos túneis. É proibido fumar desde 1987, quando um incêndio (causado por um fósforo) matou 31 pessoas na estação King’s Cross. A qualidade do ar é horrível: 73 vezes pior do que nas ruas. Uma viagem de 20 minutos equivale a fumar um cigarro.

Na última Guerra Mundial, 175 mil pessoas dividiram os túneis com os ratos para escapar dos bombardeios alemães. O popular apresentador da tevê norte-americana Jerry Springer (uma espécie de Ratinho inglês) nasceu durante um desses ataques, na estação East Finchley, em 1944.

Em 2005, duas semanas depois dos atentados à bomba no metrô que mataram 52 pessoas e feriram 700 passageiros, policiais truculentos mataram o brasileiro Jean Charles de Menezes, dentro de um vagão, confundindo-o com um terrorista procurado. Atualmente, a maior preocupação da segurança – além da eterna ameaça terrorista, antes proveniente do Exército Republicano Irlandês (IRA), agora emanada da Al Qaeda – é com os suicidas que se jogam na frente dos trens.

Uma estatística macabra mostra que o horário mais popular para se matar nos trilhos é às 11 da manhã. Pontualmente, como os trens ou o chá das cinco, os suicidas provocam um caos de atrasos aos usuários e estressam o cotidiano dos vivos.

As anomias sociais, principalmente o vandalismo, induziram o sistema a transmitir música clássica pelos alto-falantes, para acalmar os ânimos das multidões jovens que perambulam pelas estações à noite – uma solução bem inglesa. Também se ouve muita música ao vivo nas galerias, de todos os gêneros, às vezes de ótima qualidade, interpretada por artistas anônimos que, devidamente habilitados por licença e crachá, ganham o sustento tocando no metrô.

Dizem que Sting e Paul McCartney já tocaram lá, disfarçados, e receberam uns trocados. Mas talvez essas sejam lendas urbanas, como o caso de William Terriss, ou melhor, do fantasma do ator William Terriss (1847-1897), esfaqueado por um ex-namorado no Teatro Adelphi, na estação Covent Garden, onde muitos usuários já o viram rondando.

Além de ser um sistema de transporte eficiente, o metrô empresta características visuais a Londres. Seu logotipo, criado em 1908, um círculo vermelho com uma barra horizontal azul na qual está escrito Underground, roda o mundo estampado em camisetas, copos, cinzeiros e pôsteres. A expressão Mind the Gap (que significa “cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”) virou um chavão como “abra o olho”. O mapa das linhas, projetado por Harry Beck em 1931, cada uma com uma cor diferente, foi imitado por todos os metrôs. As lojas do Museu do Transporte arrecadam anualmente 2 milhões de libras com a venda desses produtos.

Mais de 86% das despesas operacionais da empresa estatal são cobertas pela venda de bilhetes. A popularidade do sistema e seus símbolos estimulam a produção de souvenirs. The Tube já virou nome de banda de rock e hoje é tão essencialmente londrino como o Big Ben, os ônibus de dois a andares, as cabines telefônicas, os Beatles despedindo-se das apresentações ao vivo tocando na laje da gravadora, em 1969, e até a rainha Elizabeth, que, aliás, só andou de metrô duas vezes na vida: uma na inauguração de uma linha, em 1969, e outra em março último, comemorando os 150 anos do Underground. Deus salve a rainha!

Nicole Mezzasalma, jornalista carioca de 34 anos que mora em Londres desde 2003, testemunha: “Não uso o metrô com frequência, mas para mim o maior inconveniente são as questões técnicas, os defeitos e os problemas que atrasam ou cancelam o serviço. Mas me sinto totalmente segura – muito mais do que no Rio de Janeiro, por exemplo –, mesmo depois dos atentados de 2005. Aqueles ataques à bomba causaram uma mudança no comportamento dos usuários, mas os ingleses têm uma cultura muito forte de não se deixar abater, para não dar a impressão de que os terroristas foram bem-sucedidos. Acho isso admirável.”

A médica portuguesa Ana Rita Matos, 34 anos, que vive em Londres desde 2010, gosta de ouvir os músicos que tocam nas estações, quando vai ou volta do hospital onde trabalha. “Mesmo apressada, de repente eu paro para ouvir um trecho e depois sigo cantarolando a música que escutei. De manhã ou no fim do dia, aceito o jornal grátis oferecido nas entradas de estação, mesmo quando não pretendo ler. É só para dar e receber o good morning ou o good evening costumeiros.”