O solo, os oceanos, o corpo humano e dos animais têm em comum o fato de serem habitados por milhões de bactérias, fungos e outros microrganismos. Muitos deles são específicos de um determinado lugar e produzem substâncias com as mais variadas funções. Conhecer essas formas de vida, que podem ainda viver em locais como cavernas, plantas, lixo ou água residual, por exemplo, exige um imenso esforço científico e um passo importante foi dado nesse sentido com a publicação de um estudo na “Nature Biotechnology”.

O trabalho encontrou ao todo 52.515 grupos de bactérias e arqueas – microrganismos conhecidos por viverem em ambientes extremos, como vulcões e fontes termais. Desses, estima-se que 12.566 pertençam a potenciais novos grupos, a maioria com funções ainda desconhecidas. O levantamento genético foi realizado a partir de amostras colhidas em todos os continentes e teve a participação de mais de 200 pesquisadores de todo o mundo, inclusive do Brasil. Também foram encontrados 10.410 novos vírus que têm bactérias como hospedeiras.

“Existe um bom conhecimento sobre o chamado microbioma, que é a comunidade de microrganismos e suas funções em um ambiente. O que se sabe, porém, vem em grande parte da microbiologia clássica: era preciso isolar e cultivar em laboratório um desses microrganismos para então fazer o sequenciamento genético. Novas ferramentas de bioinformática, porém, estão mudando isso. Agora, podemos analisar uma amostra de solo, por exemplo, e saber o DNA de tudo que tem ali”, explica Rafael Soares Correa de Souza, coautor do estudo e integrante do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC).

LEIA TAMBÉM:

Amostras mineiras

O GCCRC é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela Fapesp e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O grupo da Unicamp integra o consórcio internacional Joint Genome Institute (JGI), em Berkeley, na Califórnia, capitaneado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos. Os pesquisadores brasileiros forneceram para o estudo amostras coletadas na região dos Campos Rupestres, na Serra da Canastra e na Serra do Cipó, em Minas Gerais.

“É uma região onde as plantas estão adaptadas a condições altamente estressantes no que se refere à disponibilidade de minerais e nutrientes. Por isso, provavelmente, os microrganismos exercem funções muito importantes, que podem ser interessantes para ser aplicadas em outras regiões do planeta, por exemplo”, conta Souza.

Os dados de todos os 52.515 grupos de bactérias e arqueas podem ser baixados gratuitamente no banco de dados de microbiomas do consórcio, o GEM (sigla em inglês para Genoma dos Microbiomas da Terra).

Sopa de DNA

Consórcios internacionais como o JGI possibilitam realizar trabalhos dessa monta, entre outras razões, porque podem suprir a enorme demanda por capacidade computacional que esse tipo de análise requer. Sequenciar os genomas e processar a imensa massa de dados gerada exige ferramentas de bioinformática altamente eficientes. Elas possibilitam organizar, entre diversas sequências de aminoácidos, quais fazem parte de que organismos.

Após a individualização desses genomas, é feita a chamada anotação. Nesse processo, os genomas são comparados a bancos de dados de funções que outros microrganismos já conhecidos exercem. Semelhanças em certas características indicam que um microrganismo ainda desconhecido pode exercer uma função parecida.

“Caso alguma dessas funções seja interessante para um grupo de pesquisa, ele pode tentar isolar esse microrganismo em laboratório, cultivá-lo e realizar estudos funcionais. Em nosso caso, estamos em busca de microrganismos que ajudem as plantas a realizar captação de fósforo e outros nutrientes, fixação de nitrogênio, entre outras funções que podem ser importantes para aumentar a tolerância de culturas agrícolas às mudanças climáticas”, explica Souza.

Função desconhecida

Nessa fase do estudo, concluiu-se que metade dos genomas ainda não tem uma função conhecida. Daí o potencial de estudos desse tipo em encontrar, por exemplo, enzimas produzidas por microrganismos que poderiam ser aplicadas não apenas na agricultura, mas nas indústrias alimentícia e de bebidas, no desenvolvimento de medicamentos, entre outros.

“Esse tipo de mapeamento não dá os genomas completos e ainda não tem a maior resolução possível. No entanto, ele é o primeiro passo para que estudos mais aprofundados possam ser realizados. A simples existência desse repositório de genomas consolida, em um lugar, um conhecimento que antes era fragmentado. Com isso, impulsiona a pesquisa na área, uma vez que os dados podem ser baixados e estudados por qualquer pesquisador”, finaliza o cientista.