Caso se confirmem as projeções de crescimento da população mundial da ONU (Organização das Nações Unidas), seremos 9 bilhões no planeta em 2050. Tendo em vista esse cenário, uma das preocupações que mobilizam cientistas e agências multilaterais de desenvolvimento é a produção mundial de alimentos. Estima-se que com o forte aumento da demanda o mercado de carne animal entre em crise e fontes alternativas de proteínas e nutrientes sejam necessárias. Sugestão da ONU: comer insetos.

Nesse momento é bem provável que uma expressão de desgosto já tenha se desenhado no rosto do leitor. É justamente essa reação, comum à maioria das pessoas no Ocidente, o maior desafio para os adeptos da causa da entomofagia. Mas, tirando o fator nojo, o cultivo e o consumo de insetos apresenta muitas vantagens em relação ao da carne vermelha e branca, de acordo com especialistas. Além disso, tudo é relativo: a lesma do escargot não é um prato sofisticado e delicioso?

O custo ambiental e financeiro da pecuária é alto e está aumentando. A tendência é que os preços da carne alcancem valores exorbitantes com o aumento populacional. O cultivo de animais ocupa 70% dos terrenos agrícolas no mundo. Elevar a produção significaria, portanto, derrubar mais florestas e destruir outros recursos naturais, ou intensificar a produção confinada e industrial, cruel com os animais. Além disso, a atividade é responsável pela emissão de 18% de todos os gases causadores do efeito estufa, segundo a pesquisa Livestock Long Shadow, feita pela FAO, a Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU.

A criação de insetos, em contrapartida, utiliza menos espaço e recursos e é mais eficiente. Um estudo da Universidade Wageningen, ainda não publicado, mas já aprovado, observou a produção pecuária e a de insetos para avaliar o impacto ambiental de ambos sob os aspectos de espaço utilizado, consumo de energia e emissão de gases. “Em todos, o rendimento da cultura de insetos foi 100 vezes melhor. Além do mais, para produzir um quilo de carne bovina é preciso 25 quilos de alimento. Para a mesma quantidade de carne de grilo, o consumo é de apenas 2 kg”, explica o entomologista Arnold van Huis, da Universidade Wageningen, na Holanda, um dos articuladores do grupo da ONU que defende a entomofagia.

Oportunidade

 

Essa é a aposta da empresa brasileira Nutrinsecta, de Betim (MG). Especializados na criação de insetos para ração animal, os empresários Gilberto Schickler e Luiz Otávio Pôssas veem grande potencial no mercado para o consumo humano. “Para produzir 500 quilos de carne de boi é preciso dois hectares de pasto (na pecuária extensiva) e dois anos. Essa mesma quantidade de proteína de insetos pode ser criada em no máximo seis meses, em uma área de 100 metros quadrados, com muito menos água e alimento. Além disso, todo o resíduo deles é utilizado como fertilizante orgânico na criação de outros animais”, diz Schickler.

Destinar parte da produção para o consumo humano faz parte dos planos da Nutrinsecta, a longo prazo. O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) determina que, para produzir em escala comercial, os criadouros de insetos para alimentação animal não devem ser os mesmos para humanos. Para tanto, a empresa precisaria investir em outra unidade e em tecnologia para baratear o preço final do produto. O quilo de insetos produzidos pela Nutrinsecta gira em torno de R$ 200. Ainda não há demanda que justifique o aporte, mas Schickler é otimista: “A gente compara muito isso com o sushi. Há alguns anos atrás ninguém comia peixe cru. O interesse no país vai ser gradativo, na base da publicidade boca a boca”, diz.

Enquanto esse dia não chega, a empresa prepara para 2013 um quiosque na área da fábrica (ou em um parque ecológico vizinho, ainda não foi decidido) que servirá receitas como risoto com ervas finas e grilos e o yakissoba com mix de insetos (grilos e baratas). A ideia surgiu para atender à curiosidade das crianças de uma escola vizinha.

Do ponto de vista nutricional, a “carne” de insetos tem valor proteico equivalente ao da carne animal. Em alguns casos, como nos exemplares da espécie Atta cephalotes L, como a saúva e a tanajura, a proporção de proteínas é ainda maior. Em 100 gramas de peso seco da formiga há 42,59% de proteínas contra 23% no frango e 20% na carne bovina, na mesma quantidade. “Os insetos têm praticamente todas as proteínas encontradas em bois, porcos e frangos, inclusive aminoácidos, ferro, zinco, lipídeos e vitaminas como a vitamina A. E a gordura dos insetos é polinsaturada, não tem perigo de colesterol”, explica o entomologista brasileiro Eraldo Medeiros Costa Neto, da Universidade Federal de Feira de Santana.

Segurança

Embora algumas espécies de insetos sejam venenosas, entomologistas afirmam que o consumo é seguro. Entre todas as espécies catalogadas, 0,5% apresenta riscos para os seres humanos, se ingeridos. “Porcos, aves e bois, geneticamente, estão mais próximos aos humanos, o que faz com que algumas doenças dessas espécies sejam mais perigosas para nós, ao contrário dos invertebrados que, se cultivados de forma higiênica, são mais seguros”, defende Van Huis.

Há estudos e cuidados ainda a ser desenvolvidos. Devido à larga utilização de agrotóxicos em jardins e plantações, coletar insetos na natureza pode ser arriscado. A chance de contaminação existe. Outro problema é a possibilidade de reações alérgicas. “Muitas pessoas são alérgicas a frutos do mar e outras comidas. É bem possível que algumas sejam alérgicas a insetos. É um risco e ainda não temos muitos estudos sobre o assunto. Diversos pesquisadores não acreditam muito nisso, mas precisamos provar”, pondera Van Huis.

Tabu

 

Apesar da resistência de boa parte do mundo ocidental – principalmente no meio urbano –, os insetos são consumidos em mais de 120 países, a maior parte deles na Ásia e África, onde costumam ser iguaria cara. Estima-se que na Nigéria, por exemplo, 75% das pessoas incluem insetos nas dietas. Engana-se quem acredita que o hábito seja exclusividade oriental ou de países considerados exóticos. Formigas, gafanhotos, aracnídeos, larvas e até mesmo baratas fazem parte da cultura alimentícia de países americanos como México, Colômbia e, acreditem, Brasil.

“Aqui no Brasil, o consumo de insetos existe em pequenas comunidades e, principalmente, em comunidades indígenas. Ao todo são mais de 100 grupos no país que têm esse hábito”, afirma Eraldo Costa Neto. Nas cidades da parte paulista do Vale do Paraíba, de Taubaté até Silveiras, a época de chuvas, que começa nos primeiros dias de novembro, é também tempo da caça às içás: as fêmeas da formiga saúva.

A tradição dos povos indígenas da região foi mantida pelos tropeiros e permanece até hoje viva entre cidadãos como o senhor Ocílio Ferraz. Em sua fazenda nos arredores de Silveiras, Ocílio mantém um restaurante de comida típica, cuja especialidade são as içás. “Não invento receita com as formigas, sigo a tradição” (veja receita ao lado).

Nos Estados Unidos, o escritor científico David George Gordon aderiu à entomofagia por defender uma dieta menos danosa ao meio ambiente e virou militante da causa. Conhecido como The Bug-chef (Chef dos insetos, em tradução livre), é autor de um livro com 33 receitas chamado The Eat-a-Bug Cookbook, editado nos EUA. Em apresentações culinárias, Gordon procura cozinhar pratos elaborados com insetos para atrair o público, mas garante que o sabor natural de muitos deles é bom. “A larva da mariposa tem gosto de uvas brancas, com um sabor leve de amêndoas. Grilos lembram um pouco camarão; gafanhotos têm sabor de ervas e formigas pretas apresentam uma mistura complexa de sabores refrescantes”, afirma o chef.

A ideia dos cientistas, no entanto, não é induzir as pessoas a comer insetos em forma natural, mas como alimentos processados. Uma farinha feita a partir dos bichinhos poderia servir de base para pratos diversos – e como alternativa para combater a desnutrição. Em uma experiência recente na Holanda, Arnold van Huis preparou para um grupo duas receitas de almôndegas: uma de carne e a outra feita de larvas de besouro tenébrio. Em um teste cego, sem saber qual receita era de insetos, cerca de 90% dos presentes acabou preferindo justamente essa. “Se as pessoas não souberem que há insetos lá dentro, elas vão experimentar e acabar gostando mais”, acredita Van Huis.

Gostando ou não, a maior ironia é que boa parte da humanidade já consome insetos regularmente sem se dar conta. De acordo com cálculos da ONU, uma pessoa ingere em média 450 gramas de insetos por ano, misturados a outros alimentos como impurezas. Também são usados em bebidas, doces e laticínios como corantes.