Os escândalos que ficaram conhecidos como “Partygate” no Reino Unido, “Nipplegate” nos Estados Unidos e “Dieselgate” na Alemanha devem seus nomes a uma desastrada invasão a um escritório do Partido Democrata em Washington, há exatos 50 anos.

Em 17 de junho de 1972, durante a campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, cinco homens invadiram a sede do Comitê Nacional Democrata, no complexo de edifícios Watergate, na capital americana.

Sua missão? Grampear a sede desse comitê no intuito de obter materiais incriminatórios que pudessem prejudicar a candidatura do democrata George McGovern e assegurar a reeleição do presidente Richard Nixon, do Partido Republicano.

Após a notícia da invasão se tornar pública, os primeiros relatos na imprensa sugeriam que pudesse haver alguma ligação com a Casa Branca. Mas Nixon manteve a alegação de que nada sabia a respeito do caso, e acabou sendo reeleito em novembro. Em janeiro de 1973, os invasores foram julgados e condenados.

Investigações subsequentes acabariam implicando o comitê de campanha de Nixon e membros de seu governo. Mais tarde, foi revelado que o presidente tinha conhecimento das ações e ainda teria se envolvido no acobertamento do caso.

De modo a evitar um impeachment, Nixon se tornou o primeiro e, até hoje, o único presidente americano a renunciar ao cargo, em 8 de agosto de 1974. As repetidas menções ao nome Watergate na mídia, durante anos e anos de controvérsias geradas pelo caso, tornaram o nome do edifício um sinônimo de escândalo.

Por que Watergate?

Hoje em dia considerado um marco arquitetônico incluído no Registro Nacional de Locais Históricos dos EUA, um dos mais infames endereços do país recebeu esse nome por razões pragmáticas.

Após o término da construção, em 1971, o Complexo Watergate foi o primeiro projeto de uso misto em Washington. Situado às margens do rio Potomac, o edifício consiste em escritórios, um hotel e blocos residenciais. Em seu auge, era o endereço residencial favorito do meio político.

No livro Presidential Power on Trial: From Watergate to All the President’s Men (“Poder presidencial sob julgamento: De Watergate a ‘Todos os homens do presidente'”), o escritor William Noble escreve que o complexo de edifícios recebeu esse nome por estar próximo à comporta (“gate” ou “floodgate”, em inglês) que regulava o fluxo de água (“water”) do rio Potomac.

Sufixo dos escândalos

Hoje em dia, o sufixo “gate” é utilizado para quaisquer eventos que gerem controvérsia ou rendam manchetes de jornal, sejam políticos ou simples frivolidades.

Um exemplo disso é o Nipplegate (“mamilogate”) – a fração de segundo em que uma “falha de vestuário” expôs o seio da cantora Janet Jackson em uma performance durante o show do intervalo do Super Bowl, em 2004.

O sufixo foi utilizado pela primeira vez logo após o escândalo Watergate em Washington, quando a revista satírica americana National Lampoon publicou um escândalo russo falso intitulado Volgagate – em referência a um dos principais rios da Rússia.

William Safire, um ex-assessor de Nixon que redigia discursos para o presidente, costumava utilizar o sufixo em suas colunas no The New York Times quando escrevia sobre escândalos posteriores ao Watergate, em seus 30 anos de carreira trabalhando para a publicação.

Mais tarde, ele disse ter feito isso para desviar as críticas sobre as ações de seu ex-chefe.

Outros “gates” que se tornaram conhecidos incluem o Monicagate ou Lewinskygate nos anos 1990, quando o presidente Bill Clinton primeiramente negou, e mais tarde, admitiu que mantinha um caso com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky.

De Washington para o mundo

O sufixo, porém, teve impacto bem além das fronteiras americanas, e não se resumiu à língua inglesa. A França teve o chamado Winegate em 1973, quando um esquema fraudulento tentava comercializar produtos de baixa qualidade se passando por vinhos Bordeaux.

A Alemanha teve o chamado Dieselgate, iniciado em 2015, quando a Volkswagen admitiu ter adulterado softwares em seus veículos para emitir dados falsos sobre as emissões de gases poluentes.

A revelação e as investigações que se seguiram tiveram consequências graves para a empresa, com uma série de acordos judiciais e multas em centenas de milhares de dólares nos Estados Unidos.

Recentemente, a automobilística alemã teve de pagar 193 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 1,2 bilhão) em um acordo judicial no Reino Unido, em uma ação movida por aproximadamente 91 mil motoristas.

A Itália chegou a criar seu próprio sufixo para denominar escândalos.

Nos anos 1990, um caso envolvendo políticos que recebiam comissões em troca de contratos públicos foi batizado de Tangentopoli – “tangente” significa propina em italiano, e “poli”, de origem no idioma grego, significa “cidade”.

Desde então, surgiram vários outros, como o escândalo financeiro Bancopoli e o Calciopoli, sobre manipulação de resultados em partidas de futebol.

Sagaz ou preguiçoso?

Alguns linguistas e críticos rejeitam o sufixo “gate”, por entender que ele pode trivializar a gravidade de casos de irregularidades em comparação com outros.

Um exemplo disso seria colocar no mesmo nível o chamado Partygate – sobre as festas promovidas por membros do governo britânico, com a participação do premiê Boris Johnson, enquanto o país vivia a imposição de lockdowns – e o que ficou conhecido como Slapgate (“tapagate”), quando o ator Will Smith desferiu um tapa no rosto do comediante Chris Rock ao vivo na cerimônia de entrega do Oscar.

Alguns, por outro lado, afirmam que o sufixo ajuda a chamar atenção para determinados temas. Seja amado ou odiado, o sufixo “gate” vem sendo – e seguramente continuará a ser – um acessório para escândalos de todos os tipos.

Um quadro de 2010 de um programa de comédia da emissora britânica BBC lançou um bom argumento quanto ao uso do sufixo: “Se ‘gate’ se tornará o único sufixo a significar improbidade, de qualquer tipo, não seria o caso de o escândalo que deu origem a isso passar a ser chamado de ‘Watergate-gate’?”